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quarta-feira, 15 de julho de 2009

Psiquiatria: Transferência

Durante os tratamentos psicoterápicos, os sentimentos que o paciente desenvolve em relação ao psicanalista não estão ligados somente à resistência. Depois de Freud, exaustivos estudos levaram à conclusão de que as pessoas que se submetiam ao tratamento psicanalíticos não criavam nada de novo. As reações que apresentavam face ao médico constituíam um padrão da própria pessoa. Em outras palavras, reagiam diante do psicoterapeuta da mesma maneira com que se relacionavam com todas as pessoas.
A psicanálise, diante disso, evoluiu no sentido de apreciar tais sentimentos não como um estorvo ou limitação, e sim como um bom caminho para o tratamento do paciente. Isto porque reproduziam-se no consultório, em condições quase que experimentais, as mesmas reações afetivas que o enfermo desenvolvia em situações semelhantes.
A partir desse descobrimento, o interesse fundamental no tratamento mudou-se da recordação intelectual do passado (especialmente da infância) para a apreciação do comportamento do cliente diante do analista. Confirmou-se, então, que o paciente “transferia” ao médico os sentimentos desenvolvidos em relação às pessoas importantes da sua vida, particularmente os pais. Chamou-se de transferência a essa projeção em alguém, de maneira inconsciente e repetitiva, dos sentimentos desenvolvidos em relação a outras pessoas.

ABANDONO DO PASSADO - A psicanálise passou, portanto, a se interessar mais pelas experiências emocionais e o seu reavivamento durante as consultas do que pela reconstrução intelectual do passado. O passado só teria importância na medida em que fosse conhecido o padrão de conduta desenvolvido pelo paciente em cada situação.
O conceito mais restrito de transferência refere-se apenas aos sentimentos ou reações emocionais que o paciente desenvolve em relação ao analista, sem levar em consideração a pessoa do médico em si. Isto é, transfere ao médico, de modo incontrolável e inconsciente, os sentimentos que nutre em relação a outras pessoas, sem se preocupar em relaciona-los com a situação em si.
O trabalho psicoterápico consistirá, primordialmente, em colocar a descoberto esses sentimentos, fazendo com que o paciente tome conhecimento deles. Esta mudança é extremamente necessária, pois quanto melhor a pessoa conhecer e controlar suas reações nas experiências emocionais, melhor relacionamento poderá desenvolver com o mundo e consigo mesma.
Bom exemplo de transferência é o do rapaz que, em suas experiências infantis, sentiu-se pouco atendido por seu pai, que não lhe dava a atenção necessária. Tal fato passou a constituir uma “marca registrada” do rapaz. Já adulto, sentiu dificuldades no relacionamento com as demais pessoas, especialmente as do sexo masculino. Ainda que tudo corresse satisfatoriamente, não conseguia confiar integralmente nas pessoas. Predisposto a não sentir, novamente, uma situação de desprestígio ou rejeição, adquiriu uma “couraça” sentimental. Passou a cercar todas as suas relações com cuidados especiais, não se arriscando e nem se expondo, guardando sempre seus sentimentos. Seu comportamento no consultório era decorrência das experiências infantis precoces, reais ou imaginárias. Foi preciso o analista mostrar-lhe que desenvolvia receios infundados com relação ao tratamento e que isso não acontecia só no consultório, mas em todas as situações. Dessa maneira, foi possível ao paciente separar as experiências passadas das presentes e desenvolver uma correção emocional.

AS “VACINAS” - Classicamente, costuma-se fazer uma comparação entre a transferência e as vacinas. Quando se inocula uma vacina numa pessoa, esta desenvolve anticorpos que lhe permitirão enfrentar a doença sem maiores perigos. Na psicoterapia, faz-se uma vacinação que permite ao paciente enfrentar, sem riscos, as situações análogas que se desenvolverão em sua vida.
Cria-se, no tratamento psicoterápico, uma possibilidade controlada de mostrar as incongruências entre a situação real e as emoções que a pessoa desenvolve. Resolvido o problema nesse campo experimental, está também solucionada a questão na vida cotidiana. A pessoa passa a reagir mais adequadamente diante das situações novas, podendo então usar com vantagem os seus recursos antes dispersos em defesas e resistências.

USO DA TRANSFERÊNCIA - A transferência é um fenômeno universal e, portanto, aparece nas relações entre o paciente e o médico. É vantajoso seu aparecimento e reconhecimento, pois a transferência é utilizada para modificações emocionais nos pacientes.
A utilização varia conforme o caso. Nas psicoses, primeiramente, os sentimentos que a pessoa projeta em seus semelhantes estão bastante distorcidos e afastados da realidade. As alucinações e os delírios expressam a maneira caótica com que o psicótico desenvolve sua relação com os semelhantes. O conhecimento da transferência permite utilizar melhor os recursos terapêuticos. Procura-se dar ao paciente uma visão clara do ambiente como um todo, corrigindo sua visão distorcida do mundo e procurando afastar dele o medo e o isolamento.
Nas psicoterapias superficiais, o médico desempenha um papel que é necessário ao paciente. Apresenta-se como uma pessoa compreensiva, serena e conselheira, dando ao paciente ambiente propício à exposição de suas dificuldades.
A influência da personalidade do médico, ou de outra pessoa que desempenhe um papel importante para o paciente, se faz sentir através dos mecanismos de apoio e sugestão. Não são abordados, naturalmente, os aspectos inconscientes desta relação, ainda que o seu conhecimento seja importante para a atuação médica.

INDIVÍDUO E GRUPO - Nas psicoterapias profundas, os aspectos inconscientes ocupam o primeiro plano. O analista não assume qualquer papel mas, por sua neutralidade, serve como bom elemento para a transferência de sentimentos inconscientes do enfermo. Desenvolvida esta relação afetiva, trabalha com ela mostrando que tanto o amor como o ódio, o ciúme ou a inveja estão em relação com o modo de ser da pessoa e das experiências anteriores. O reconhecimento desses afetos, sua conscientização e o manejo livre dos mesmos são os objetivos do médico. No tratamento, o analista não dificulta nem facilita o estabelecimento desta situação: apenas trabalha com ela.
Já na psicoterapia em grupo, o tratamento obedece às mesmas normas da psicoterapia individual, com exceção do fato de que são vários pacientes. Como se pode prever, haverá, a um mesmo tempo, o aparecimento de várias transferências, quer do paciente em relação ao analista, quer dos pacientes entre si.
Há uma multiplicidade de situações emocionais que se inter-relacionam. O comportamento desenvolvido é grupal e não individual. Os pacientes adotam uma situação integral e maior, que funciona como um todo.
As pautas de comportamento grupal se aproximam às de um indivíduo ideal e hipotético, constituído de partes (as pessoas). Nesses casos também o médico toma um papel neutro e passa a receber as projeções de transferência do grupo, atuando sempre em função delas.
A técnica psicodramática, por sua vez, foge destas situações, pois a relação transferencial é criada a cada instante dentro da situação psicodramática. A pessoa não desempenha sempre o mesmo papel, mas é solicitada pelo médico a atuar como outra pessoa qualquer. Em termos profundos, mostram-se através da dramatização as dificuldades em situações específicas, o que permite experiências emocionais corretivas.

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Quem sou eu

Nascido no Japão como filho de massagista shiatsu em 1947, imigrado ao Brasil em 1959, residente em Marília/SP/Brazil desde 1997.

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