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quarta-feira, 15 de julho de 2009

Psiquiatria: Caráter Histérico

Quando o homem passou a ter consciência de si mesmo e rompeu sua harmonia com a natureza, foi obrigado a buscar formas próprias de relacionamento consigo mesmo e com os demais homens. Nesse instante, as neuroses também começaram a existir, ou seja, surgiram com a humanidade.
Entre as neuroses, a histeria é a que apresenta registros mais antigos. Foi Platão quem “batizou” a moléstia, acreditando que sua origem estivesse no útero (hysteras = útero). Segundo Gilles de La Tourette, a crença de Platão baseava-se nas observações de Hipócrates: “Quando o útero se desloca sobre o fígado, a mulher perde a voz, cerra os dentes e sua cor enegrece.” Ainda que pitorescas, essas observações merecem respeito. Era a primeira tentativa de explicação dos transtornos histéricos que até hoje, transcorridos tantos séculos, ainda não foram totalmente esclarecidos.

CORPO E PSIQUE - A histeria é uma neurose e, portanto, além das suas características peculiares, os histéricos apresentam também as alterações gerais dos neuróticos.
A colocação das neuroses em geral - e da histeria em particular - dentro de limites bem definidos constitui um dos mais difíceis problemas médicos de todos os tempos. A dificuldade está nas alterações físicas que costumam acompanhar as neuroses e que, por vezes, confundem o analista, ao estabelecer se as manifestações são devidas a um processo puramente orgânico ou essencialmente psíquico. O problema torna-se ainda mais complicado quando se leva em consideração que todas as doenças orgânicas acarretam um estado de ânimo peculiar, e que às emoções podem corresponder mudanças físicas no funcionamento do organismo.
Contudo, as observações transmitidas de um médico a outro, ao longo das gerações, e o aperfeiçoamento de aparelhagem específica permitiram maior precisão nos registros clínicos e melhor separação e definição das neuroses.
Atualmente pode-se afirmar que as neuroses são moléstias que, apesar das queixas dos pacientes, não provocam alterações orgânicas, embora a lesão de um órgão possa dar origem a um quadro neurótico. Em outras palavras, quando um neurótico afirma sentir dores no coração, o registro sistemático da atividade cardíaca não revela sinais de lesão do órgão; já o paciente que sofreu um enfarte do miocárdio poderá exibir toda a gama de manifestações neuróticas.
As neuroses não provocam, no aparelho psíquico, alterações tão importantes quanto as determinadas pelas psicoses. Por esta razão, as primeiras são classificadas como enfermidades mentais crônicas menores e as últimas enquadradas como maiores. Isto não significa, porém, que a psicose seja “mais doença” do que a neurose.
O mundo exterior não é visto com distorções pelo neurótico. Ele apresenta, isto sim, uma alteração do equilíbrio emocional interno, que inibe o comportamento social e dá lugar a sintomas subjetivos (que não podem ser “medidos”), formigamentos, dores que percorrem o corpo, e outros.
Modalidade de vida doentia, as neuroses são identificadas por um grande mal-estar interior: a angústia. Para combate-la, os neuróticos servem-se de mecanismos de defesa que irão enquadra-los entre os ansiosos, fóbicos, obsessivos, histéricos e outros.

A “VÁLVULA” - Em 1885, Charcot usou a hipnose para remover paralisias, tremores e cegueiras dos pacientes histéricos. Ao reproduzir esses sintomas em pessoas normais, usando ainda a hipnose, registrou pela primeira vez a influência dos processos psíquicos sobre o organismo.
Partindo dessas experiências, Freud iniciou uma série de descobertas e elaborações teóricas que constituíram a teoria psicanalítica. Tais técnicas permitiram a melhor compreensão dos neuróticos, que já não são considerados portadores passivos dos seus sintomas. São os próprios pacientes que “fabricam” inconscientemente os sintomas, fazendo deles uma “válvula”, na procura do equilíbrio emocional perdido.
Todo ser humano tem necessidades afetivas e instintivas que procura satisfazer da maneira mais adequada. A incapacidade de obter a satisfação determina frustrações, que darão lugar à agressividade, importante no estudo das neuroses.
A agressividade, muitas vezes, se dissimula em ironias e sarcasmos; outras vezes aparece encoberta por atitudes de indiferença, debilidade orgânica e ociosidade. Vivida com a angústia, a agressividade do neurótico se volta contra ele - tem medo de si mesmo -, ou se desloca de um familiar para todas as pessoas do mesmo sexo e idade desse parente.
A deslocação da agressividade poderá, ainda, concentrar-se em objetos ou situações exteriores (fobias) ou em órgãos e aparelhos do próprio organismo (histeria).
Fato notável é o desaparecimento da angústia aparente, quando o enfermo desloca sua agressividade para um objeto ou órgão. Ao afirmar que ficou subitamente cego ou paralítico, o paciente passa a assumir uma atitude tranqüila diante de situações que, se fossem reais, seriam trágicas. É a “belle indifference” descrita pelos autores franceses do século passado. Ao mesmo tempo, a recíproca é verdadeira: demonstrada a inexistência da cegueira ou paralisia (no exemplo dado), o paciente volta a manifestar a angústia.

TAMBÉM NO HOMEM - A histeria, portanto, pode ser entendida como uma neurose caracterizada por manifestações exageradas de imagens, idéias e afetos. Mas sempre inconscientes. Atinge as mulheres, principalmente. Os homens, em pequena escala, também desenvolvem manifestações histéricas. Por haver uma verdadeira conversão somática das emoções, Freud chamou-a de histeria de conversão.
As manifestações histéricas são as mais variadas possíveis, podendo imitar os sintomas de quase todas as moléstias. Na maioria dos casos, a imitação é grosseira; outras vezes assume tal perfeição, que pode suscitar dúvidas mesmo nos médicos mais experientes. O paciente “cria” tremores, paralisias, cegueira, fugas (raptus), amnésias e outros sintomas.
O caráter histérico identifica-se pela sugestibilidade, auto-sugestibilidade, alterações sexuais, mitomania e formação imaginária da pessoa.
A sugestão e a auto-sugestão conferem ao histérico, respectivamente, a influenciabilidade e a inconsistência de personalidade. Não lhe permitem ser autênticos, ter identidade própria e pessoal. Contamina-se facilmente pelo ambiente, se convive com uma pessoa doente, sente todos os seus sintomas.
A mitomania é a tendência mórbida à mentira. O paciente, involuntariamente, arma comédias, tramas fabulações, falsifica suas relações com os semelhantes e oferece-se, sempre, como um espetáculo, já que sua existência é, aos próprios olhos, uma série interminável de aventuras imaginárias.
As alterações sexuais tornam o histérico sexualmente infantil. Todavia, a tendência a falsificar as experiências emocionais estende-se também ao terreno sexual. As manifestações passionais e afetivas adquirem algo de excessivo e teatral, o que contrasta com as fortes inibições sexuais. Constata-se a frigidez nas mulheres histéricas; no homem, verifica-se interesse sexual reduzido.
A formação imaginaria da pessoa é assim explicada: sempre existem diferenças entre o que o indivíduo gostaria de ser, o que acredita que é e o que ele realmente é. No histérico, a máscara oculta totalmente a pessoa, que se mostra como falso personagem numa existência irreal.
Todos esses transtornos da personalidade tem por fim substituir a realidade pela fantasia e pelo prazer. Isso permite compreender que a histeria é uma moléstia crônica com manifestações “em crises”, mais freqüentes em certas épocas: matrimônio, maternidade, emoções coletivas, acidentes, traumas físicos e psíquicos. Desta forma, o aparecimento das “crises” obedece a uma certa política que proporciona ao histérico aquilo que ele procura: atenção, carinho, realização de suas necessidades e exigências. Essas crises podem ser superadas com um tratamento adequado.

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Quem sou eu

Nascido no Japão como filho de massagista shiatsu em 1947, imigrado ao Brasil em 1959, residente em Marília/SP/Brazil desde 1997.

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