Assuntos relacionados à saúde em geral, medicina ocidental, oriental, alternativa, trechos de livros e revistas.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Psiquiatria: Enganos e Esquecimentos

- Não há problema, meu caro. Vamos dar um jeito na sua situação. Levo você à firma do meu tio e lhe arranjo um emprego lá. É só você dizer quando quer ir.
- Eu sei que você muito ocupado, mas se for possível na quarta-feira, às dez horas, na porta do banco, eu lhe fico grato. Não sei nem como lhe agradecer.
- Não há de que, meu velho. Encontro você lá.
O rapaz que ia conseguir emprego para o amigo foi encontra-lo na sexta-feira, às oito horas, na porta de um outro banco. Depois de esperar algum tempo, lembrou-se de que havia marcado encontro com o amigo na quarta-feira anterior, em banco e horário diferentes. Ficou surpreso com o lamentável engano, atribuindo-o à sua vida agitada.
O que ocorreu realmente foi um engano que a psicanálise denomina de ato falho, resultante de uma manifestação do inconsciente. A pessoa que se atrasa nos encontros ou vai a um local diferente sempre terá, para si, uma razão bastante lógica e plausível para o ocorrido. Enganos tão comuns como esses, absolutamente normais na vida cotidiana, estudados à luz da psicanálise mostraram-se dotados de sentidos.
No exemplo citado poderia ocorrer que a pessoa não se interessava tanto pelo problema do amigo e o compromisso fora marcado apenas pela consciência. Já o inconsciente, procurando livrar-se de uma situação de desprazer, desencadeou o ato falho.
Antes do advento da psicanálise, tais “acidentes” eram atribuídos a fatores fisiológicos e psicológicos. Assim, o fato de a pessoa encontrar-se cansada, com muitos afazeres e dificuldade para manter-se atenta - entre outras causas -, era apontado como motivante do engano. Não se via para o engano outro sentido além do cansaço físico e mental. A verdadeira razão do engano não tinha maior significado, era indiferente. Mas, quando a psicanálise estudou os “acidentes”, chegou-se a conclusões bastante surpreendentes: representavam manifestações do inconsciente e compunham conflitos e motivações. O cansaço físico e mental entrava apenas como fator contribuinte, nunca como causa desencadeante.
Em outras palavras, os enganos banais são manifestações instintivas expressas de maneira disfarçada. Representando verdadeira via de acesso ao mundo exterior, o disfarce é de importância básica porque em geral acoberta a manifestação de algum impulso ou desejo que a consciência repele. Portanto, é condição essencial para o aparecimento de todos os tipos de atos falhos (enganos), de esquecimentos e de perdas, a existência da repressão de um instinto, impulso ou desejo.
Da mesma forma como acontece nos sonhos, também os atos falhos são um meio de o inconsciente ludibriar o consciente para dar vazão a algo reprimido pela censura ou superego.
E, ainda como os sonhos, cada caso deve ser considerado e estudado isoladamente. É impossível explicar o ato falho sem conhecer os demais detalhes da situação ou mesmo a vida toda da pessoa que o comete. Se um sonho isolado do seu contexto não tem valor, identicamente um engano não terá significado maior se não forem levadas em consideração as circunstâncias que cercaram o fato.

GAFES EM 4 ATOS - Na psicologia profunda, o estudo dos enganos e esquecimentos é de fundamental importância, pois permite identificar manifestações instintivas e fazer ligações entre os comportamentos normal e anormal.
Em termos de classificação, são quatro os atos falhos mais comuns: o de falar, o de ler, o de escrever e o de ouvir. São eles denominados atos falhos em sentido estrito, os mesmos que antes da psicanálise eram justificados como resultado da falta de atenção. Com a nova ciência, mostraram-se como interferências de propósitos diferentes, em geral opostos.
Exemplo comum do primeiro caso (atos falhos orais) é a troca de nome de pessoas:
- como vai, meu velho Paulo? Está melhor do estômago? Como vão seus filhos?
- Que filhos? E eu não...
- Claro, claro! Puxa, você me desculpe. Confundi você, meu velho Pedro, com o Paulo que também sofre do estômago...
Na maioria dos casos, a pessoa diz o nome equivocado para em seguida lembrar-se do nome correto e fazer a retificação. Em geral, o engano não acontece por acaso. Inconscientemente, opera-se a transposição da “qualidade” de uma pessoa em outra, que no exemplo relatado era a dor de estômago. Bastante comuns - e de conseqüências desagradáveis - são as trocas de nomes das namoradas.
Os atos falhos na leitura também são muito freqüentes e fáceis de entender. Ocorre a troca de determinada palavra por outra, sem que as duas tenham muita semelhança gráfica. É quando a pessoa vê no texto a palavra saudade e lê salada, talvez porque o instinto esteja pedindo por alimentação. São ainda conhecidos outros enganos na leitura em que o indivíduo troca palavras do livro por outras de sentido oposto (grosso por fino), ou então lê vocábulos inexistentes no texto.
Quanto aos atos falhos no escrever, deve-se ressaltar sua estreita semelhança com o tipo anterior (o de leitura). Desta forma, qualquer indivíduo, por mais normal que seja, poderá escrever palavras diferentes das que pretendia escrever. As trocas poderão ser entre palavras de grafia diferente e de sentido diverso ou mesmo oposto. Poderá ainda escrever palavras completamente estranhas ao tema abordado, apenas porque vieram ter à sua mente.
Os enganos de percepção, por seu turno, são registrados como desencadeantes dos atos falhos auditivos. Esta espécie de engano compreende, portanto, uma percepção perturbada seguida pela elaboração da mesma. Equivale dizer que o indivíduo não só ouve coisas que não foram ditas, como também age de acordo com o que “ouviu”. Os atos falhos desta espécie são de real importância e muito freqüentes, pois a faixa auditiva permite, com relativa facilidade, o falseamento perceptivo.

OS ESQUECIMENTOS - Ao lado dos atos falhos estritos, encontram-se os esquecimentos, caracterizados por sua pequena duração. E da mesma forma que os primeiros, trazem no arcabouço um outro sentido. O esquecimento não é um fenômeno passivo e sim um ato psíquico ativo e completo.
A psicanálise interessa-se por esta espécie de fenômeno, procurando sempre descobrir-lhe o sentido oculto. Realmente, na maioria dos casos, o indivíduo esquece aquilo que não deseja lembrar, ou cuja lembrança lhe é desagradável.
São exemplos típicos os casos de esquecimentos de compromissos aos quais somente a consciência emprestava importância. Também freqüente é o ato de guardar papéis “tão bem guardados” a ponto de o indivíduo não mais encontra-los.
Este último exemplo deve ser diferenciado do fenômeno das perdas enquadrado noutra categoria. De maneira geral, essas últimas apresentam por motivação o desejo de afastamento do objeto em questão. É, por exemplo, o que acontece quando se perde a aliança. No plano consciente, a pessoa fica apreensiva, triste, e procura por ela sem cessar. Embora não constitua regra geral, com freqüência esta perda é uma manifestação do inconsciente, que protesta contra a situação que a aliança representa. A pessoa não se sente feliz com o casamento, mas, por inúmeras razões, não quer tomar conhecimento do problema. A essa altura, o inconsciente faz o seu “protesto” através da perda do símbolo de tal união. O mesmo se poderia dizer quanto ao noivado, quando a perda seria falta de confiança no contraente ou desejo de não assumir compromissos importantes, entre outros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Arquivo do blog

Quem sou eu

Nascido no Japão como filho de massagista shiatsu em 1947, imigrado ao Brasil em 1959, residente em Marília/SP/Brazil desde 1997.

Total de visualizações de página: