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quarta-feira, 15 de julho de 2009

Psiquiatria: Alcoolismo

As estatísticas americanas talvez não sejam aplicáveis ao Brasil, inteiramente. Mas permitem uma extrapolação impressionante: lá, 25% das pessoas que se internam em hospitais psiquiátricos sofrem de alguma forma de alcoolismo. E uns 50% dos acidentes de automóveis envolvem de algum modo motoristas alcoolizados.
Se o álcool etílico é capaz de tantos estragos, por que é que as pessoas bebem? A droga nem ao menos é encontrada livre na natureza: é preciso criar condições especiais de fermentação bacteriana para produzir algumas bebidas como o vinho e a cerveja. E para bebidas como o conhaque, a cachaça e o uísque, o processo de fabricação é ainda mais sofisticado, pois envolve destilação em alambiques, geringonça que o homem só viria a inventar depois de muitos séculos de civilização.
Se a demanda de bebidas alcoólicas é tão ampla e tão intensa, é porque seus efeitos sobre a mente produzem a satisfação de certas necessidades psíquicas, sejam elas normais ou doentias. Muitas pessoas que bebem costumam afirmar que um bom copo de vinho às refeições é um complemento alimentar sadio, para pessoas normais. Provavelmente, isso é verdade. Mas também é provavelmente verdade que a pessoa no caso estará apenas racionalizando a dependência psicológica que mantém com relação à bebida. Porque se prevalecessem as preocupações dietéticas, muitos outros alimentos mais saudáveis tomariam o lugar da bebida como “complemento sadio”.
Descartada essa alegação suspeita de que o álcool é um complemento alimentar, que razão sobra para justificar a necessidade compulsiva de centenas de milhões de pessoas que bebem em todo o mundo?

POR QUE BEBES TANTO ASSIM? - Alcoolismo é palavra que tem quase tantas significações quantas as pessoas que as usam. Para uns, é simplesmente indício de caráter fraco; para outros, ao contrário, constitui uma demonstração de energia e virilidade, porque para muitas pessoas o homem que “é homem mesmo” deve ser um beberrão. Há os que bebem para esquecer, em obediência aos conselhos de um samba antigo; ou seja: empregam o álcool como um anestésico do espírito. Já para certo tipo de bebedores, o álcool é um “santo remédio”, como fazem os tipógrafos, que justificam o vício com uma suposta alegação científica: a bebida “corta” os efeitos tóxicos da manipulação do chumbo (o que é falso).
E por que bebem as pessoas? Quase sempre, para buscar segurança e alívio para a ansiedade resultante da insegurança. Busca-se a segurança num copo da mesma maneira como se busca em sexo ou num cigarro, embora as diferenças de proporção sejam óbvias. Portanto, muitos bebedores bebem não porque sejam extremamente viris, mas porque o álcool os ajuda a sentirem-se assim. Isto é, reafirma algo em que as pessoas precisam crer.
Não importa considerar aqui a grande maioria das pessoas que não bebe em circunstância nenhuma ou que, então, preservam ampla liberdade de decidir se devem ou não beber em determinadas ocasiões. O que caracteriza o alcoólatra é a necessidade compulsiva de beber. Ou seja, a diminuta liberdade de escolha entre beber ou não.
Em geral, o álcool proporciona segurança mediante a redução de certas inibições e dá ao indivíduo a “coragem” de enfrentar situações ameaçadoras. Essa ameaça quase nunca é real. Pode tratar-se até mesmo de uma ocasião social em que a posição dos indivíduos presentes está ligada a um conhecimento do fator de intimidação: o medo de ser julgado inferior. Situações emocionais podem constituir uma variação da mesma necessidade de equilíbrio e alívio de tensão.

TRATAMENTO - Os problemas de tratamento de um caso de alcoolismo são agravados pela dificuldade de investigação das causas. Além dos fatores psíquicos, influem na caracterização do vício certos condicionamentos fisiológicos, de natureza nervosa. Mas o mecanismo que determina necessidades de origem nervosa não é perfeitamente conhecido.
Já os fatores de natureza psíquica, embora ofereçam menores dificuldades para conhecimento íntimo, encerram o alusivo problema de identificação correta.
Em outras palavras, alcoolismo é um distúrbio de competência do psiquiatra, não do neurologista. Mas envolve uma conjugação de fatores etiológicos de dupla natureza: causas nervosas e causas psíquicas. E os efeitos também são de natureza fisiológica e de natureza psíquica. Logicamente, o tratamento será orientado para correção de distúrbios fisiológicos e psicológicos.
No tratamento das causas fisiológicas, o mencionado desconhecimento do processo patológico estabelece uma séria limitação terapêutica. Já o tratamento dos efeitos fisiológicos pode ir mais longe: abstinência, medicação de drogas regeneradoras do parênquima hepático, correção dos distúrbios dietéticos, são providências que na maioria dos casos podem ser adotadas com êxito. O chamado período de desintoxicação do organismo do alcoólatra, por si, quase sempre produz resultados positivos.
Mas o tratamento psicoterápico, que objetiva a remoção das causas do hábito, esbarra na dificuldade inicial de diagnóstico: qual a origem psíquica da ansiedade que leva o alcoólatra a depender da bebida e por que mecanismo o álcool proporciona o alívio precário que o viciado busca nele?
A investigação dos fatores que levaram a ansiedade a manifestar-se envolve situações vividas pelo paciente desde a infância, algumas delas esquecidas. A ansiedade resulta do sentimento de insegurança, de modo tão fatal que se poderá até mesmo dizer que ansiedade seja sentimento de insegurança. O trabalho do psiquiatra será, então, o de identificar experiências vividas pelo alcoólatra, na infância ou não, capazes de haver-lhe inculcado no espírito o sentimento básico de insegurança. Por sentimento básico de insegurança, ou ansiedade básica, deve-se entender a idéia, arraigada no espírito do alcoólatra, de que ele não dispõe de condições mínimas para enfrentar os problemas existenciais.
A condição de ansiedade vivida nessas circunstâncias evidentemente pode ser aliviada com o álcool, que proporciona condições favoráveis de eficiência aos mecanismos de defesa já descritos no capítulo “OS MECANISMOS DE DEFESA”. O álcool favorece a negação da realidade, dispersa a concentração mental que tende a formar-se em torno dos focos de ansiedade, narcotiza. O álcool torna mortiça a iluminação mental representada pela consciência e desaperta os parafusos dos mecanismos instintivos de defesa. Com isso, o homem que bebe consegue ser mais ousado: consegue pensar, sentir e fazer coisas que em condições normais não faria, nem sentiria e nem pensaria. E uma vez que experimenta tais compensações, começa a escravizar-se gradualmente a elas.
Para que o tratamento tenha êxito, portanto, será necessário: 1) localizar as fontes originais da ansiedade básica, no plano psíquico; 2) desintoxicar o organismo e, na medida do possível, alterar o círculo vicioso a que o organismo se habituou pelo álcool.
Parece simples. Mas todos os psiquiatras e hospitais que aceitaram casos de alcoolismo registram desanimadora porcentagem de fracassos. Um dos motivos é que, em suas fases mais avançadas, o alcoolismo gera outros problemas psíquicos que se juntam aos motivos originais do vício. O alcoólatra quase sempre, de fato, apresenta problemas neuróticos resultantes das conseqüências do alcoolismo sobre sua vida afetiva, moral, profissional, financeira, social e familiar. Com tal soma de fatores adversos, a capacidade do médico dificilmente poderá bastar para resolver o caso. É essencial a colaboração de pessoas que possam ajudar o alcoólatra nos planos citados, pois a cura depende da solução desses outros problemas.

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Quem sou eu

Nascido no Japão como filho de massagista shiatsu em 1947, imigrado ao Brasil em 1959, residente em Marília/SP/Brazil desde 1997.

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