Psiquiatria: Esquizofrenia Simples

Por trás dos indivíduos arredios e solitários, dos colecionadores “esquisitos”, das pessoas passivas, dos funcionários que não causam problemas, dos amigos incondicionais, dos apaixonados violentos, dos “puladores de empregos”, dos vagabundos, das donas de casa geniosas, dos excêntricos, dos salvadores da pátria, dos reformadores, dos alcoólatras, dos moralistas e das prostitutas, muitas vezes está escondida a forma simples da esquizofrenia.
Das quatro formas clínicas da esquizofrenia, a simples não é, como se poderia supor, mais benigna que as outras três: hebefrênica, catatônica, paranóide. Indica, isto sim, a ausência de manifestações mais “impressionantes”. A doença fica recolhida ao interior do indivíduo, tornando-se difícil o diagnóstico até para os psiquiatras mais experientes.
O mesmo não ocorre com as demais formas de esquizofrenia, de manifestações francamente anormais. Chamam a atenção dos familiares, impossibilitam o convívio social e, por fim, motivam a procura de tratamento especializado.

ARREDIOS E COLECIONADORES - A forma simples dificilmente causa espanto. Decorrido um tempo relativamente longo, nota-se apenas certas deficiências, não se registrando nunca a presença de sinais bem evidentes. Tanto é verdade que a maioria dos autores destaca o reduzido número de tais doentes internados em hospitais.
As dificuldades em identificar a moléstia tornam-se mais sérias quando se verifica que, na maioria dos casos, o indivíduo já era do tipo “esquisitão”. Fazia-se notar por características negativas dificuldade no relacionamento com as pessoas, preferência por atividades individuais, isolacionismo, gosto exagerado pelo recolhimento e leitura, pequena exteriorização de sentimentos e outras. Incluem-se nesse quadro os colecionadores fanáticos que vivem isolados.
Os esquizofrênicos da forma simples são sempre tomados como indivíduos extravagantes, de comportamento lotado de raridades. Somam a isso a rigidez das respostas emocionais, que não correspondem às solicitações. Mesmo adequadas a cada caso, suas reações emocionais são sempre fracas.

PASSIVOS E EFICIENTES - Na forma simples da esquizofrenia, encontra-se também uma certa fraqueza intelectual. Parece faltar totalmente o pode da vontade. Tornam-se passivos, aceitam tudo que lhes é proposto, mais para se livrar da solicitação do que por atender a seus desejos.
Nesse processo de debilitação da personalidade, a capacidade de trabalho fica afetada e, portanto, merece atenção na avaliação dos sintomas. Freqüentemente, trabalham com constância, mas sem qualquer rasgo de genialidade ou improvisação. Sua participação é sempre “silenciosa”.
São os funcionários que não dão trabalho aos patrões. Acatam as ordens, executam-nas com rigor até excessivo. Se discordam de qualquer coisa, por mais insignificante que ela seja, o que fazem é pedir demissão sem maiores explicações.
No relacionamento com os colegas, passam sempre “em branco”. Evitam amizades estreitas, não participam de atividades que escapem às finalidades precípuas do serviço. Fogem de tais situações “porque não conseguem se abrir”.

AMIGOS E AMANTES - A dificuldade de relacionamento leva o enfermo a apegar-se demais a uma amizade: são amigos incondicionais de poucas pessoas. No plano sentimental, ocorre o mesmo fenômeno, agravado por natural timidez no contato com o outro sexo. Em qualquer ligação, apaixonam-se em excesso.
Cercado por problemas de toda ordem, com destaque da dificuldade de relacionamento, não conseguem fixar-se a um trabalho. Permanecem num emprego até serem tomados de apatia e inércia invencíveis. Pouco se preocupam com o bem-estar dos familiares e com a própria sorte.

VAGABUNDOS E GENIOSAS - Quando pertencem a uma classe social inferior, os homens entregam-se a uma vida sem objetivos, comportam-se como vagabundos. As mulheres criam toda sorte de dificuldades no lar, mostram-se incapazes de realizar as tarefas habituais e não cuidam, com a presteza anterior, de suas obrigações. Geniosas, criam atributos a todo instante, infernizam a vida da família.
Com a evolução da moléstia, a afetividade torna-se paradoxal, com respostas frias ou então brutais e fora de sentido. A vida afetiva e a social estão deterioradas em graus variáveis, de modo que o trato com a família choca pela inadequação. Com freqüência, esse comportamento é encarado como “mau gênio”; os familiares dificilmente aceitam a hipótese de doença mental. Procuram sempre um meio de adaptar-se à situação, escondem e fogem do problema.
Além dessas manifestações, a forma simples de esquizofrenia apresenta ainda alguns efeitos, que devem ser considerados. No primeiro grupo estão os excêntricos de todo tipo: reformadores sociais, salvadores da pátria.
É compreensível o desvio do interesse para tais campos, uma vez que o processo esquizofrênico altera o “tato” para as relações afetivas e sociais. Também podem estar presentes atividades delirantes e alucinatórias, num plano secundário e de difícil identificação ao exame psiquiátrico.
Irritadiço e querelantes, conforme seu interesse distorcido, trilham os mais diferentes caminhos. Poderão, por exemplo, ingressar numa seita religiosa “fechada”, onde conseguem dar vazão às suas atitudes anormais.

ALCOOLISMO - Outra complicação importante e freqüente, no quadro da esquizofrenia simples, é o alcoolismo. As alterações da vontade e a deterioração afetiva levam os doentes muitas vezes a um contato mais estreito com o álcool. Na maioria dos casos, são conduzidos por marginais de todo tipo, aos quais se ligam.
Muitas vezes são confundidos com o alcoólatra primário; apresentam todos os sinais e sintomas evidentes do uso moderado do álcool. Mas há certas diferenças: são “passivos” diante do álcool, não protestam violentamente com a interrupção de seu uso.
Depois de desintoxicados, apresentam sinais evidentes de deterioração da personalidade: não se mostram lépidos e interessados em sua situação, com os traços egoísticos que caracterizam o alcoólatra. Ao contrário, permanecem inertes e indiferentes ao meio, pouco interessados pela própria sorte. Quando internados em clínicas especializadas, fogem de atividades em grupo, não se entrosam com os outros.

PROSTITUIÇÃO - As alterações de sentimentos ético-morais, ao atingirem as mulheres, desencadeiam manifestações que encontram forte ressonância diante do contexto social.
É regra geral que o processo esquizofrênico conduz a um desinteresse sexual, embora com freqüência a moléstia se manifeste antes dos trinta anos. A prática sexual acompanha o comportamento geral do indivíduo: desinteresse.
Na mulher, a carência de vontade e o embotamento afetivo alteram o senso ético-moral. Rompem-se as barreiras coercitivas impostas pela sociedade. Não por uma ânsia de liberdade mas porque as regras e os costumes deixam de ter importância para o enfermo. A promiscuidade sexual pode desenvolver-se como resultante da debilitação da vontade. Facilmente sugestionáveis, deixam-se levar. De acordo com a situação encontrada, o caminho para a prostituição é de apenas um passo. As dificuldades e peripécias do ambiente mundano são facilmente aceitas.
O tratamento da forma simples de esquizofrenia causa uma série de dificuldades. Acresce ainda a necessidade de atendimento contínuo, pois a forma simples não apresenta “crises” ou “auges”, mantendo-se sempre a debilitação das respostas emocionais e a apatia geral.