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quarta-feira, 15 de julho de 2009

Psiquiatria: Prazer e Realidade

Qualquer indivíduo portador de uma alucinação não vê a realidade do mundo exterior como ela realmente é. Os alucinados, ao ouvirem vozes que anunciam sua predestinação de salvar o mundo, acreditam-se dotados de poderes sobrenaturais, totalmente alheios à realidade de suas próprias limitações. Nesses casos, a alucinação nada mais é do que um dos meios para satisfazer suas aspirações.
As alucinações traduzem um afastamento claro da realidade. Nem sempre, porém, o alheamento é tão dramático ou tão visível. Há mesmo casos em que o desligamento passa despercebido, como no exemplo do neurótico que se vê diante de uma tarefa nova. Poderá sentir uma angústia muito intensa, a qual, por sua vez, dará origem a temores sem fundamento. É quando o medo faz parecer maiores as dificuldades reais da tarefa. A pessoa, mesmo conscientemente apta para o trabalho, estará presa a um receio cada vez maior de enceta-lo, temendo o fracasso. O neurótico em questão perdeu a capacidade de julgar os obstáculos normais, que sua mente agiganta.
Na fase adulta, os indivíduos normais buscam sempre o equilíbrio entre dois princípios: um subjetivo (e interno) - o prazer - e o outro objetivo (e externo) - a realidade do mundo que o cerca e da qual depende.

O CHOQUE - A busca do prazer comanda e domina toda a vida inconsciente do homem. No recém-nascido, esse princípio é praticamente o único que existe, com sensações de bem-estar ou de mal-estar. Quando no útero materno, a criança recebe tudo o que precisa da mãe. Ao nascer, inicia sua adaptação ao mundo real já com a necessidade primária de aspirar seu próprio oxigênio.
A alimentação é outra necessidade básica que vai sentir pela primeira vez. Ignorando a existência do mundo exterior, “imagina” que está alimentada. O recurso aplaca, por algum tempo, a sensação de fome. Mas, logo depois a fome reaparece e a criança provavelmente chorará, sendo então alimentada pela mãe. Todo o processo não ocorre conscientemente, mas de forma instintiva.
A fome é um estímulo e, como tal, produz manifestação física ou motora. Alimentada pela mãe, a criança readquire o estado de prazer e aos poucos vai percebendo que somente com o auxílio do mundo exterior pode atender às suas necessidades. A partir daí, vai-se relacionando com a vida exterior e começa a sentir a existência dos primeiros choques entre o princípio do prazer e o princípio da realidade.

DE OBJETO A SUJEITO - Quando percebe que depende do mundo exterior para sobreviver, a criança aos poucos vai substituindo o princípio do prazer pelo princípio da realidade. Começa então a desenvolver faculdades que lhe permitam adequar-se ao meio.
Na mesma medida em que progride nesse processo, vai deixando de ser objeto passivo e inerte dos acontecimentos, para se transformar em agente e sujeito. Passa a tomar iniciativas em seu próprio benefício, tirando do mundo real exterior o atendimento às suas necessidades. Como primeira parte do processo, desenvolve os sentidos “captando” os acontecimentos externos. Aprende a reconhecer cores, cheiros, pesos, formas. Começa a identificar as vozes das pessoas e os fatos ao seu redor. Aos poucos, livra-se do esquema primário do prazer-desprazer, passando a desenvolver a consciência e a faculdade de atenção para adquirir conhecimentos.
As informações adquiridas são guardadas na memória. Esse “arquivo” é muito importante porque é o que dá meios para a comparação do fato que está acontecendo com os atos já acontecidos, preparando mais facilmente uma ação adequada.

TEORIZAÇÃO - No início, os estímulos geravam descargas motoras imediatas, ou seja, qualquer ação física como a de chorar, por exemplo. Com o maior conhecimento da realidade, o desenvolvimento da consciência e o auxílio da memória, a reação do indivíduo também passa por uma adaptação. Enriquece-se, ganha um novo sentido e passa a agir sobre a realidade presente, procurando modificá-la. A resposta motora, que aparecia imediatamente após o estímulo, torna-se mais controlada e acompanhada por ações acionais. Isto é, quando tem fome, a criança simplesmente chora. Quando o adulto tem fome, vai procurar comida. Criou-se, assim, a capacidade de acumular tensões, contrariando o ato instintivo de descarrega-las imediatamente e de forma muitas vezes inócua.
A mesma capacidade leva a outro caminho muito importante: a possibilidade de suprimir a ação e resolver os problemas apenas com processamentos teóricos, exclusivamente intelectuais.
Serve de exemplo o homem que está preocupado e tenso diante da impossibilidade de saldas todas as suas dívidas. Estas são uma realidade externa, que alteram o equilíbrio mental e provocam intenso desprazer. O homem faz suas contas mentalmente e verifica que alguns “cortes” nas despesas serão suficientes para resolver a situação. Encontrada a solução, readquire sua tranqüilidade sem ter, efetivamente, agido para pagar as dívidas.

O SEXO - A capacidade de substituir o princípio do prazer pelo princípio da realidade é lenta e gradativa. O instinto sexual, de caráter individual e egoístico, é um dos mais dificultam a assimilação plena do princípio da realidade. O sexo serve-se de fontes de prazer e satisfação do próprio indivíduo e não depende, nesses casos, da realidade exterior. O narcisismo (auto-erotismo) permite a obtenção do prazer sem a necessidade, cada vez maior, de lidar com a realidade exterior, para retirar dela a satisfação.
É freqüente, no desenvolvimento da psique, o estacionamento da vida sexual no estágio auto-erótico, devido à disposição que a pessoa apresenta de permanecer ligada ao princípio do prazer na realização sexual - isto é, não procura fora do Ego o objeto adequado à satisfação adulta.
As neuroses podem ser entendidas mais facilmente, quando são estudadas as várias etapas da evolução do instinto sexual, indo da satisfação auto-erótica até a realização adulta. Em outras palavras, a evolução vai até o encontro de um objeto adequado com o qual o indivíduo se complementa, através da união correta e com a finalidade de reprodução.

O BLOQUEIO - Nas neuroses, as pessoas se encontram mais ou menos bloqueadas. Sua interligação com o mundo real e exterior sofreu uma série de modificações. Em decorrência, o comportamento deixou, parcialmente, de ser regido pela realidade que o circunda. Pode-se admitir que esse comportamento normal foi substituído pelos sintomas neuróticos.
Os portadores de neurose obsessiva, por exemplo, estão permanentemente se preparando para uma ação, ao mesmo tempo em que procuram assegurar a todo instante as possibilidades de desenvolver a mesma ação.
Uma das características mais importantes no processo inconsciente - situado na inconsciência devido ao recalque - é a elaboração de uma realidade puramente mental e bem semelhante à realidade exterior. Essa criação conduz a dificuldades muito sérias para distinguir ou estabelecer diferenças entre o que é fantasioso, produto exclusivamente mental, daquilo que é realidade e pertencente ao mundo externo.
De qualquer forma, o princípio do prazer não é suprimido pelo princípio da realidade. O que pode ocorrer é a realidade externa dificultar ou atrasar a obtenção do prazer. Mas a pessoa, com as armas que desenvolveu, tem melhores condições para enfrentar a dificuldade e conseguir conduzi-la ou modifica-la para lograr uma satisfação maior e mais válida.

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Quem sou eu

Nascido no Japão como filho de massagista shiatsu em 1947, imigrado ao Brasil em 1959, residente em Marília/SP/Brazil desde 1997.

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