Toda neurose se caracteriza por uma situação de conflito interior. Nesse sentido, a neurose seria resultante do fracasso do indivíduo em resolver o conflito de tendências ou impulsos que exigem ações opostas ou divergentes.
Em seus primeiros estudos, Freud chegou à conclusão de que a natureza básica desses conflitos residiria na pressão simultânea de forças instintivas, em choque com padrões morais e sociais de conduta. A esse conjunto de forças instintivas, Freud deu o nome de id; e chamou de super-ego o substrato de normas de conduta vigentes no grupo social a que o indivíduo pertence, as quais são incorporadas de modo particular por cada um e acabam por constituir uma das instâncias psíquicas. Entre esses dois pólos, atuaria o ego, elemento mediador incumbido de prover o atendimento às necessidades básicas de preservação do indivíduo e de harmonizar os antagonismos entre ego e super-ego. Mas esses conceitos viriam a sofrer importantes modificações no curso da evolução da psicanálise.
O EGO E O ID - Na teoria freudiana, portanto, o id motivaria a ação do indivíduo sem nenhuma consideração sobre conveniências futuras, ajustamento global à realidade e outros fatores que normalmente são levados em conta ao ser escolhido um curso de ação. Os fatores determinantes, nas satisfações instintivas, seriam sempre caracterizados pelas alternativas prazer-desprazer, de natureza imediata.
Na concepção original de Freud, o ego atendia às necessidades de auto-preservação sem possuir nenhuma função autônoma no campo da libido. Isto é, excluída participação na satisfação das necessidades de fundo sexual. Com essa característica adicional, o ego desligava-se inteiramente do id e até mesmo se opunha a ele.Mas a própria evolução das teorias de Freud viria demonstrar que isso não corre de modo absoluto, pois o ego também é formado por fatores de natureza instintiva.
Hoje, os psiquiatras não acreditam mais que o ego seja apenas um elemento moderador, destinado a satisfazer as exigências instintivas do id dentro das acomodações impostas pela realidade ou pelo super-ego. Ao contrário, o ego dispõe de força própria, de natureza também instintiva. Sob esse aspecto, ele seria um prolongamento das forças instintivas do id, embora ajustado em certo limite, às limitações reais.
A princípio a divisão era bastante clara. Quando uma mulher se sentia atraída por um homem, o psiquiatra identificava nessa atração a manifestação de um impulso provindo do id, com a eloqüência de um desejo sexual, ou seja como força instintiva da libido. Numa segunda instância, imediatamente superior, o ego condicionaria a satisfação de tal desejo a outras conveniências relacionadas com o bem-estar futuro da mulher, em caso de ela ceder ou não a seu desejo sexual. E, numa instância ainda mais elevada, o impulso do id teria de passar pelo crivo das considerações de ordem moral, dispostas pelo super-ego.
Hoje, a distinção não é tão didática. Entre o id e o ego ocorre uma transição lenta e de limites mal definidos, provavelmente com uma faixa intermediária, na qual o impulso tanto pode pertencer ao reino “subterrâneo” do id como ao reino “superficial” do ego. O ego, assim, seria apenas um departamento mais disciplinado e organizado, uma representação diplomática do id no mundo exterior. E, também, uma “representação econômica”, visto que as necessidades instintivas do indivíduo precisam ser transacionadas com o grupo em que o indivíduo se integra.
O SUPER-EGO - Correspondentemente, o super-ego é a “embaixada” do mundo exterior no espírito do indivíduo (por espírito, entenda-se aqui o conjunto de fenômenos que compõem a vida mental). Assim como o id dá origem a impulsos que em última análise envolvem exigências sobre o mundo, o super-ego formula exigências do mundo sobre o indivíduo.
A necessidade básica de aceitação e aprovação no mundo, em conseqüência, pode sofrer uma deformação para mais. E, desse modo, as exigências do super-ego poderão, no neurótico, assumir uma força compulsória, capaz de sobrepor-se aos impulsos mais autênticos do id, esmaga-los e enfraquecer o ego, que se funde como um fusível submetido à passagem de uma corrente demasiado elevada para sua resistência.
As pessoas perfeccionistas são um exemplo claro de indivíduos escravizados pelo super-ego. Mais do que a satisfação de suas necessidades biológicas e afetivas, provenientes do id, os perfeccionistas prezam a retidão moral, os preceitos de conduta. Subvertem as regras de comportamento e as enfeitam com palavras lindas e barrocas (a “honra”, o “sacrossanto ideal”, o “dever”). Nunca percebem que honra, nestes casos, nada mais significa do que a preocupação com o que as pessoas pensem de nós.
Mas todas essas palavras representam, de maneira mais ou menos velada, a dependência do indivíduo em relação ao grupo. Essa submissão a preceitos e imposições grupais é importante para esse tipo de neurótico, porque representa um meio de ele obter aprovação.
Qual a força disciplinadora do super-ego? Em outras palavras, como é que esse “interventor” do mundo consegue governar o comportamento do indivíduo?
Supõe-se que, uma vez implantado o complexo de ditames, aceitos pelo neurótico como uma condição de existência, o super-ego adquire o poder de gerar angústia, uma sanção afetiva capaz de enorme ação coercitiva. A angústia, dor moral, caracteriza todas as neuroses (embora na neurose de angústia ela assuma uma condição de prevalecimento quase absoluto). Ela é a expressão do conflito entre o super-ego e o ego ou o id.
De certo modo, ao render-se assim, o indivíduo subjugado ao super-ego desenvolve uma atitude farisaica de duplo proveito aparente: evita conflitos com o meio ambiente e vinga-se dele com a implícita afetação de superioridade.
Infalivelmente, porém, a paz negociada com o mundo através de tal artifício será sempre falsa, porque o neurótico passará a enfrentar conflitos internos. É como um país que, por submeter-se à dominação estrangeira, terá de haver-se com o descontentamento interno. E o id é magistral na guerra de guerrilhas que se propaga no espírito do neurótico. Seu rancor encontra satisfação muito precária no artifício de superioridade moral com que ele passa a julgar as pessoas. Sua vida murcha, porque as tendências mais autênticas não encontram caminho livre para desenvolver-se e ele se encontra privado do ar puro da liberdade, uma liberdade que depende da virtualização de suas potencialidades.
OS CONFLITOS - Na doutrina freudiana, os conflitos resultam sempre do embate entre a força interior dos instintos e as limitações ditadas pelo super-ego. É o choque entre o querer do instinto e o dever dos códigos morais.
Essa definição de conflitos neuróticos hoje parece suspeita em sua simplicidade. A insegurança, por exemplo, foi identificada, anos depois de Freud haver formulado suas teorias, como um dos mais importantes fatores na gênese das neuroses. E nada indica relação direta entre insegurança e os conflitos entre o id e o super-ego.
A insegurança resulta, basicamente, da desconfiança de uma criança a respeito de sua capacidade de superar limitações reais a seus desejos e a suas tendências. O aparente desamor dos pais tem sido reconhecido como um dos fatores mais comuns de insegurança. Portanto, embora importante, o trabalho de Freud vale mais como desbravamento e não como um conjunto de conclusões definitivas.
Em seus primeiros estudos, Freud chegou à conclusão de que a natureza básica desses conflitos residiria na pressão simultânea de forças instintivas, em choque com padrões morais e sociais de conduta. A esse conjunto de forças instintivas, Freud deu o nome de id; e chamou de super-ego o substrato de normas de conduta vigentes no grupo social a que o indivíduo pertence, as quais são incorporadas de modo particular por cada um e acabam por constituir uma das instâncias psíquicas. Entre esses dois pólos, atuaria o ego, elemento mediador incumbido de prover o atendimento às necessidades básicas de preservação do indivíduo e de harmonizar os antagonismos entre ego e super-ego. Mas esses conceitos viriam a sofrer importantes modificações no curso da evolução da psicanálise.
O EGO E O ID - Na teoria freudiana, portanto, o id motivaria a ação do indivíduo sem nenhuma consideração sobre conveniências futuras, ajustamento global à realidade e outros fatores que normalmente são levados em conta ao ser escolhido um curso de ação. Os fatores determinantes, nas satisfações instintivas, seriam sempre caracterizados pelas alternativas prazer-desprazer, de natureza imediata.
Na concepção original de Freud, o ego atendia às necessidades de auto-preservação sem possuir nenhuma função autônoma no campo da libido. Isto é, excluída participação na satisfação das necessidades de fundo sexual. Com essa característica adicional, o ego desligava-se inteiramente do id e até mesmo se opunha a ele.Mas a própria evolução das teorias de Freud viria demonstrar que isso não corre de modo absoluto, pois o ego também é formado por fatores de natureza instintiva.
Hoje, os psiquiatras não acreditam mais que o ego seja apenas um elemento moderador, destinado a satisfazer as exigências instintivas do id dentro das acomodações impostas pela realidade ou pelo super-ego. Ao contrário, o ego dispõe de força própria, de natureza também instintiva. Sob esse aspecto, ele seria um prolongamento das forças instintivas do id, embora ajustado em certo limite, às limitações reais.
A princípio a divisão era bastante clara. Quando uma mulher se sentia atraída por um homem, o psiquiatra identificava nessa atração a manifestação de um impulso provindo do id, com a eloqüência de um desejo sexual, ou seja como força instintiva da libido. Numa segunda instância, imediatamente superior, o ego condicionaria a satisfação de tal desejo a outras conveniências relacionadas com o bem-estar futuro da mulher, em caso de ela ceder ou não a seu desejo sexual. E, numa instância ainda mais elevada, o impulso do id teria de passar pelo crivo das considerações de ordem moral, dispostas pelo super-ego.
Hoje, a distinção não é tão didática. Entre o id e o ego ocorre uma transição lenta e de limites mal definidos, provavelmente com uma faixa intermediária, na qual o impulso tanto pode pertencer ao reino “subterrâneo” do id como ao reino “superficial” do ego. O ego, assim, seria apenas um departamento mais disciplinado e organizado, uma representação diplomática do id no mundo exterior. E, também, uma “representação econômica”, visto que as necessidades instintivas do indivíduo precisam ser transacionadas com o grupo em que o indivíduo se integra.
O SUPER-EGO - Correspondentemente, o super-ego é a “embaixada” do mundo exterior no espírito do indivíduo (por espírito, entenda-se aqui o conjunto de fenômenos que compõem a vida mental). Assim como o id dá origem a impulsos que em última análise envolvem exigências sobre o mundo, o super-ego formula exigências do mundo sobre o indivíduo.
A necessidade básica de aceitação e aprovação no mundo, em conseqüência, pode sofrer uma deformação para mais. E, desse modo, as exigências do super-ego poderão, no neurótico, assumir uma força compulsória, capaz de sobrepor-se aos impulsos mais autênticos do id, esmaga-los e enfraquecer o ego, que se funde como um fusível submetido à passagem de uma corrente demasiado elevada para sua resistência.
As pessoas perfeccionistas são um exemplo claro de indivíduos escravizados pelo super-ego. Mais do que a satisfação de suas necessidades biológicas e afetivas, provenientes do id, os perfeccionistas prezam a retidão moral, os preceitos de conduta. Subvertem as regras de comportamento e as enfeitam com palavras lindas e barrocas (a “honra”, o “sacrossanto ideal”, o “dever”). Nunca percebem que honra, nestes casos, nada mais significa do que a preocupação com o que as pessoas pensem de nós.
Mas todas essas palavras representam, de maneira mais ou menos velada, a dependência do indivíduo em relação ao grupo. Essa submissão a preceitos e imposições grupais é importante para esse tipo de neurótico, porque representa um meio de ele obter aprovação.
Qual a força disciplinadora do super-ego? Em outras palavras, como é que esse “interventor” do mundo consegue governar o comportamento do indivíduo?
Supõe-se que, uma vez implantado o complexo de ditames, aceitos pelo neurótico como uma condição de existência, o super-ego adquire o poder de gerar angústia, uma sanção afetiva capaz de enorme ação coercitiva. A angústia, dor moral, caracteriza todas as neuroses (embora na neurose de angústia ela assuma uma condição de prevalecimento quase absoluto). Ela é a expressão do conflito entre o super-ego e o ego ou o id.
De certo modo, ao render-se assim, o indivíduo subjugado ao super-ego desenvolve uma atitude farisaica de duplo proveito aparente: evita conflitos com o meio ambiente e vinga-se dele com a implícita afetação de superioridade.
Infalivelmente, porém, a paz negociada com o mundo através de tal artifício será sempre falsa, porque o neurótico passará a enfrentar conflitos internos. É como um país que, por submeter-se à dominação estrangeira, terá de haver-se com o descontentamento interno. E o id é magistral na guerra de guerrilhas que se propaga no espírito do neurótico. Seu rancor encontra satisfação muito precária no artifício de superioridade moral com que ele passa a julgar as pessoas. Sua vida murcha, porque as tendências mais autênticas não encontram caminho livre para desenvolver-se e ele se encontra privado do ar puro da liberdade, uma liberdade que depende da virtualização de suas potencialidades.
OS CONFLITOS - Na doutrina freudiana, os conflitos resultam sempre do embate entre a força interior dos instintos e as limitações ditadas pelo super-ego. É o choque entre o querer do instinto e o dever dos códigos morais.
Essa definição de conflitos neuróticos hoje parece suspeita em sua simplicidade. A insegurança, por exemplo, foi identificada, anos depois de Freud haver formulado suas teorias, como um dos mais importantes fatores na gênese das neuroses. E nada indica relação direta entre insegurança e os conflitos entre o id e o super-ego.
A insegurança resulta, basicamente, da desconfiança de uma criança a respeito de sua capacidade de superar limitações reais a seus desejos e a suas tendências. O aparente desamor dos pais tem sido reconhecido como um dos fatores mais comuns de insegurança. Portanto, embora importante, o trabalho de Freud vale mais como desbravamento e não como um conjunto de conclusões definitivas.
Muito bom, muito didático. PARABÉNS PELA CLAREZA
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirFREUD NÃO FALOU EXPLICITAMENTE SOBRE A INSEGURANÇA, MAS ESTA FICA IMPLÍCITA EM SEUS TEXTOS. DIZER DE QUE ELE NÃO FALOU SOBRE INSEGURANÇA A MEU VER TAMBÉM É UMA FORMA SIMPLISTA DE ANALISAR O TRABALHO DO PAI DA PSICANÁLISE
ResponderExcluir.
Fica aqui como sugestão e aprofundamento sobre o tema insegurança tratado por Sigmund Freud em seu artigo de 1916, Os que Fracassam ao Triunfar.
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