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quarta-feira, 15 de julho de 2009

Psiquiatria: Distúrbios Afetivos da Senilidade

O velho estava habituado a dar seu passeio pelo bairro todas as manhãs. Encontrava os amigos e conhecidos, batia um papo, lembrava histórias passadas e, pelas 11 horas, iniciava a volta para casa, demoradamente, olhando todas as coisas e pessoas. Há mais de trinta anos acompanhava o desenvolvimento do lugar. Antigamente eram apenas chácaras. Algumas casas esparsas, o córrego, seu Manuel, o chacareiro.
O velho era a testemunha das mais insignificantes modificações. Sob seu olhar o arrabalde tornou-se bairro populoso, abriram-se linhas de ônibus, chegou o asfalto, água encanada, iluminação pública. Tudo isso acontecendo sob o olhar magoado do pioneiro - praticamente o mais antigo morador do lugar. Na sua opinião, o progresso lhe furtava algo indefinido, talvez a própria essência da vida.
Acontecera alguns meses atrás. De repente, sem nenhuma justificativa, o velho sentiu-se confuso. Não conseguia encontrar o caminho de volta, o mesmo que percorria, diariamente, havia anos. Em pouco tempo, o fato repetiu-se algumas vezes. Como todos no bairro conheciam aquele antigo morador, sempre aparecia alguém para reconduzi-lo a casa. Depois, comentavam que o velho já estava caduco.

A SENILIDADE - Esta é apenas uma das manifestações da decadência mental na senilidade. Ao entrar na idade avançada, o homem passa por inúmeras alterações psíquicas, acusando deficiências em numerosos setores. As mais importantes prejudicam a inteligência, a atenção e a memória.
O mesmo hipotético velho que se perdeu pelo caminho conhecido nos mínimos detalhes serve para novo exemplo: ele está em sua casa, de manhã e, como de hábito, prepara-se para sair. Vai dar sua voltinha. Os familiares, temendo que ele se perca novamente ou que sofra um acidente qualquer, pedem-lhe que fique em casa. O velho se rebela, reage, briga, torna-se violento e nega que qualquer dia tenha-se perdido. Ele se esqueceu completamente do fato. Mas este não é um estado constante. Às vezes se lembra, mas arranja uma desculpa qualquer, apenas para poder sair.
Estes são casos bastante claros e é relativamente fácil deduzir-se que se trata de um portador de demência, como manifestação psiquiátrica na senilidade. Esta forma é muito freqüente e se caracteriza, fundamentalmente, pela perda de capacidade de repetir um comportamento rotineiro e bem estabelecido. A demência, nesse sentido, retrata a perda de uma função intelectual. No caso do velho, é a da capacidade de se conduzir corretamente no trajeto tão familiar.
O termo “demente” não significa louco. Sua forma mais antiga era “dementado”, isto é, pessoa privada da mente ou de qualquer uma de suas funções. Pode, por exemplo, haver prejuízo do rendimento intelectual, sem que a memória ou a orientação sofram qualquer retrocesso. Mas a falta de inteligência suficiente impedirá, entre outras, a elaboração das informações que resultam das funções de memória. E os velhos se põem a misturar fatos reais com imaginários, conclusões lógicas com outras absurdas. Os familiares, quase sempre, passam a olha-lo como um pesado fardo.

A CADUQUICE - As manifestações mentais acompanham o envelhecimento físico da pessoa. Assim sendo, é normal que os velhos percam, realmente, muito de sua atividade. Pode haver queda no rendimento da inteligência, prejuízos da memória e falhas na capacidade analítica, ao mesmo tempo em que os olhos se tornam “cansados”, as mãos trêmulas e a força física reduzida. Mas isso não significa caduquice.
Aceita-se, como regra geral, que o envelhecimento sempre cobra seu preço, reduzindo a capacidade geral do indivíduo. Contudo, da mesma forma que algumas pessoas conseguem viver mais de um século, enquanto a maioria morre muito antes, há indivíduos que, com o avançar da idade, sofrem muito menos que outros. Há casos de velhinhas que mal conseguem andar e no entanto enfiam linha na agulha facilmente.
Isso leva a concluir que existem as diminuições consideradas normais e as que refletem uma situação patológica, ou “de doença”. E a separação entre ambas nem sempre é tão simples. A idade avançada cria vulnerabilidades, facilitando a ação dos agentes das doenças mentais.
De outro lado, as alterações reais do sistema nervoso central nem sempre correspondem ao enfraquecimento psíquico, isto é, ao rendimento mental, nas etapas finais da vida. Cérebros que ao exame anatomopatológico mostraram defeitos consideráveis, comportaram-se bem durante a vida do paciente. Contrariamente, alterações mentais irreversíveis e bastante graves, consideradas demenciais, não tinham alterações cerebrais correspondentes, encontrando-se mesmo cérebros aparentemente normais, tanto no exame anatomopatológico quanto na análise neurológica.

MEMÓRIA, A PRIMEIRA - Nos casos de demenciação senil, o primeiro sinal que costuma aparecer é o da alteração da memória. Geralmente a pessoa conseguirá lembrar-se em seus mínimos detalhes de experiências e fatos bastante antigos, enquanto acontecimentos mais recentes aparecem perturbados e alterados. Em algumas situações as pessoas não conseguem “guardar” mais nada que seja um tanto complicado. Mas, uma vez que se lembrem de fatos muito antigos, com uma riqueza de detalhes que causa inveja, o conceito de memória fica prejudicado. Pode-se dizer, então, que a “memória recente” se empana enquanto a “memória antiga” conseqüentemente ganha mais brilho. Deve-se ainda levar em consideração a vida afetiva da pessoa. Problemas atuais de entendimento podem levar os velhos a renegar a atualidade, fechando-se em suas recordações, numa volta ao passado.
São muito comuns, nesses casos, as alterações do sono, que se torna intranqüilo e entrecortado. Se a pessoa é ativa, a insônia se torna mais grave. O velho acorda de noite, levanta-se, acende as luzes, abre portas, vai ao quintal, sai para a rua e cria situações que exigem a intervenção da família.
Isso cria novos problemas, uma vez que o paciente pode-se irritar. Daí surgem atritos, porque o velho julga os familiares culpados de sua situação. Toma atitudes infantis e dramáticas e não atende às argumentações e conselhos, por mais lógicos que sejam. Nesses casos a obliteração da memória pode chegar a pontos extremos de afastamento total da realidade presente.
A compreensão torna-se mais difícil, o raciocínio lento e penoso. Nas etapas iniciais o velho percebe isso e fica angustiado. Algumas vezes há uma aparente calma, que encobre a falta de estabilidade. Para fugir da vida rotineira, cria fantasias para justificar suas atitudes.
A linguagem, em decorrência das dificuldades crescentes, também fica comprometida, nos casos mais avançados. Seu fluxo é mais lento, desaparece a concisão e a capacidade de síntese, e a fala se torna repetitiva e cansativa. Tempos depois, fala de modo incompreensível, com frases desconexas.
Os hábitos tornam-se prejudicados com rapidez crescente. Notam-se tentativas de adaptação à realidade e os problemas mais simples vão sendo solucionados. Mas, como a capacidade mental continua se reduzindo, chega-se ao ponto em que até os atos comuns mostram-se complexos demais para o doente. O médico, nesses casos, afastará os problemas psiquiátricos e cuidará de conservar as faculdades que o paciente ainda possua, programando-lhe vida compatível com suas condições.

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Quem sou eu

Nascido no Japão como filho de massagista shiatsu em 1947, imigrado ao Brasil em 1959, residente em Marília/SP/Brazil desde 1997.

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