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quarta-feira, 15 de julho de 2009

Psiquiatria: Caráter Obsessivo

O homem chega em casa e, ao entrar na sala, a primeira coisa que nota é o quadro pendurado à parede e um pouco fora de nível. Pode apresentar duas reações, aparentemente opostas. Vai até o quadro, coloca-o na posição correta e esquece o descuido; ou, ao contrário, irrita-se profundamente, chama a esposa e a repreende com severidade. Não contente, convoca a empregada e faz um longo sermão, ameaçando demiti-la.
Embora à primeira vista pareçam dois “gênios” opostos, os dois comportamentos refletem a mesma alteração psicológica: a obsessão. Esse distúrbio apresenta como características fundamentais a ordem, o cuidado, a tenacidade; isso se retrata na repetição continuada de um propósito, um desejo, uma idéia, que podem ser bem definidos com o conceito popular de “idéia fixa”.
Quando o indivíduo obsessivo não se organiza mentalmente, passa a sofrer o impacto das situações de fora, nos ambiente que freqüenta, ou entre as pessoas de suas relações. Origina-se assim um sintoma, ou um grupo de sintomas que caracterizam uma neurose. Mas, quando age apenas como o homem que ajeita o quadro, demonstra abertamente ser amante da ordem; o termo obsessão define nesse caso uma qualidade positiva, como aspecto favorável de sua personalidade.

ORDEM E DESORDEM - A psicanálise classifica em separado os dois tipos diferentes de personalidade obsessiva. De um lado, estão os sintomas que sempre representam uma deformação das manifestações dos instintos. Do outro, as situações que são antiinstintivas, ou a negação dos impulsos. Mas as duas forças antagônicas se combinam e se compensam, de modo variável, num mesmo indivíduo. Conforme o tipo de combinação, ele poderá tender para um ou outro extremo.
Os tipos obsessivos preparam e estudam demoradamente, em todos os detalhes, as coisas que devem executar. Descem às minúcias e todo o seu comportamento, todas as suas afirmações e discussões revelam o cuidado com a ordem e o ritmo detalhados. Em geral, são bem dotados de inteligência e podem alcançar sucesso nas atividades que desempenham, desde que o processo seja relativamente equilibrado. Mas um ligeiro desequilíbrio da balança pode fazer com que a pessoa passe a demonstrar muito mais amor pela ordem em si; ela deixa de ser um meio para melhorar e facilitar o trabalho e se torna um fim.
Enquanto conversa, a pessoa quase sem perceber está sempre arrumando as coisas sobre a mesa, consertando as posições, limpando. Pode ser uma manifestação, bem simples, da obsessão, que é quase subconsciente.
Em formas mais acentuadas, o doente torna-se uma pessoa irascível, de difícil convívio. Passa a ‘policiar” todos os seus atos e procura reprimir e dominar os instintos. Tende a racionalizar os atos e atitudes, colocando em ação o mecanismo de defesa contra o instinto. Os dois pontos básicos dessa personalidade poderiam ser traçados entre as idéias de ordem-desordem. O equilíbrio das duas podem formar um caráter favorável ao obsessivo e resultar num “saldo positivo”.

O IMPERTINENTE - É comum nos obsessivos negativos atitudes como a do homem que não se satisfaz com arrumar o quadro: ameaça a esposa e a empregada. Um fato que em si não tem grande importância ou significado choca profundamente os portadores desse tipo de personalidade. As reações são diametralmente opostas mesmo às do homem metódico. Quando chega e esse ponto, a obsessão deixa de apresentar um saldo positivo no conjunto da personalidade. As características manifestações negativas são altamente prejudiciais.
O sofrimento agudo diante de tudo que considera desordem é típico da forma negativa de obsessão. O paciente vive em estado de tensão, sempre compelido a estruturar tudo metódica e organizadamente. Passa a policiar até a arrumação da mesa e sente de maneira muito clara que não consegue trabalhar em meio à desordem, por mais insignificante que ela possa ser para uma pessoa normal. Com isso, sua capacidade produtiva é desviada do trabalho para cuidar da arrumação e da ordem. Ele sofre conscientemente o conflito da ordem-desordem; e exige a própria vigilância, para evitar os erros. Sem perceber, prejudica conscientemente seu trabalho.
Transforma a tenacidade já característica dos obsessivos em obstinação irreprimível. Mostra um empenho anormal em obter o que deseja e transforma em pontos de honra a conversão dos opositores a seu ponto de vista. Mesmo em discussões de problemas sem importância para o próprio obsessivo, não cede em nada que lhe pareça fugir à sua opinião; e se os outros cedem à sua insistência, demonstra enorme satisfação. Mas se não consegue seu intento, fica irritado e reage com profunda ansiedade e angústia.
Destaca-se nesse tipo de personalidade a importância dada ao fato de “não perder”; considera que seus propósitos devem ser sempre cumpridos, aa todo custo. Com tudo isso, torna-se uma pessoa desagradável, briguenta, impositiva; preocupa-se com fazer tudo bem feito e, o que é mais importante, que todos reconheçam isto. Com freqüência, fica descontente e insatisfeito com o modo pelo qual enfrenta as situações. Indispõe-se com o meio ambiente, entra em discussões por “dá-cá-aquela-palha” com enorme violência, como se disso dependesse a própria vida.
Em geral, os obsessivos mostram também um apego exagerado aos conceitos de moral; são pontuais, bons pagadores, respeitam as leis e as outras pessoas. Combatem tudo o que consideram erro ou pecado, procuram manter uma conduta irrepreensível e ter o máximo de escrúpulos diante de situações irregulares ou duvidosas. Quando a obsessão é dirigida para a religião, vivem intensamente os preceitos, com uma disposição que não admite dúvidas nem contradições. O dever e a obediência os atraem de maneira anormal e cumprem rigidamente a obrigação.
Mas exigem também dos outros a mesma obediência, respeito, pontualidade, irrepreensibilidade. Agem com o sentido duplo de “fazer e ser feito”, ou “dar e receber”, procurando a compensação. Assumem a posição de palmatória do mundo, e se arrogam o direito de julgar a tudo e a todos. Vêem no seu próprio comportamento a medida padrão para exemplificar e determinar o que julgam correto.

AGRESSIVOS E DOMINADORES - A psicanálise permite o entendimento desse tipo de personalidade a partir da evolução da libido. Uma vez conhecidas as fases pelas quais passa a personalidade em sua evolução, descobriu-se que os obsessivos podem, em geral, ser compreendidos de acordo com seu comportamento diante do complexo de Édipo. Tem dificuldade em lidar com seus impulsos agressivos e dominadores. Toda a estruturação da personalidade volta-se no sentido de controlar e dirigir esses impulsos. A análise de tipos obsessivos demonstra que freqüentemente eles estão em luta contra seus impulsos sádicos; regridem para a etapa sádico-anal, na procura de satisfação. Nessa luta contra os instintos, usam como armas a ordem, a tenacidade, o respeito e outras características.
Não existe nada de desmerecedor no tipo obsessivo que busca reprimir os instintos com a aplicação de outras qualidades, nem ele é um doente. O caráter obsessivo é a manifestação de uma luta que ele trava, na tentativa de organização da vida instintiva, da mesma forma que fazem os paranóicos, fóbicos, ou histéricos. No entanto, se o tipo obsessivo vier a ser vítima de uma neurose, é provável que essa característica, que é a mais marcante de sua personalidade, sobressaia no estado neurótico. Surge então uma neurose obsessiva. Se isto acontecer, significa que, na luta para submeter o instinto ao racional, o ego perdeu o controle.

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Quem sou eu

Nascido no Japão como filho de massagista shiatsu em 1947, imigrado ao Brasil em 1959, residente em Marília/SP/Brazil desde 1997.

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