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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Reumatologia: Artrite Infecciosa

Cássio L. Engel
Considerações Iniciais:

A artrite infecciosa causada por bactérias:
- O envolvimento articular tanto pode ser disseminado, quanto restrito a uma única articulação.
- O acometimento monoarticular tende a ser mais purulento.
- O acometimento poliarticular difuso ocorre particularmente durante estados de bacteremia.

A artrite infecciosa causada por vírus:
- O envolvimento articular tende a ser disseminado.
- As articulações afetadas geralmente demonstram inflamação sem supuração.

A artrite infecciosa causada por fungos ou microbactérias;
- O envolvimento articular geralmente é crônico, granulomatoso, e costuma ocorrer apenas em uma articulação.

A artrite que ocorre no período de coalescência de uma infecção, seja bacteriana ou viral, tanto pode ser devida à invasão do espaço articular pelo próprio patógeno, quanto por ação e complexos imunes circulantes.

É importante não se esquecer daquelas artrites estéreis que podem preceder quadros infecciosos como hepatite B, ou se desenvolverem durante algumas infecções, como as gastrointestinais por Salmonella ou Shigella. A artrite em pacientes com hepatite B é devida a imunocomplexos e, geralmente, desaparece com o início da icterícia (ver adiante). A artrite, que se instala após infecções gastrointestinais por Shigella, Salmonella, Campylobacter ou Yersinia, é dita reativa, e frequentemente se apresenta relacionada ao antígeno de histocompatibilidade HLA-B27.

Existem três mecanismos básicos pelos quais um patógeno pode atingir uma articulação:
1. Via hematogênica (mais comum)
2. Inoculação direta (traumas, injeções, etc.)
3. Disseminação por contiguidade de uma infecção num tecido próximo

I – ARTRITE BACTERIANA SUPURATIVA

A artrite bacteriana resulta habitualmente da infecção hematogênica e muito menos comumente de penetração direta ou osteomielite contígua.

Os principais agentes etiológicos da artrite bacteriana variam conforme a idade:
- Em recém-natos, o Streptococcus agalactiae, os bacilos gran-negativos e o Staphilococcus aureus são os principais agentes envolvidos
- Em crianças de um mês a dois anos, o Haemophylus influenzae é o principal (30%), sendo raro este agente no adulto
- Em adultos, o Staphylococcus aureus é de longe o principal (70%), embora em adultos jovens, o gonococo (Neisseria gonorrhoeae) predomine.

A porcentagem de artrite por Streptococcus sp é constante entre adultos e crianças, permanecendo em torno de 15%. Os estreptococos beta-hemolíticos do grupo A constituem a maior parte, mas outros podem eventualmente ser isolados.

Manifestações Clínicas

As bactérias são responsáveis pela grande maioria dos casos de artrite monoarticular purulenta, sendo o local mais acometido o joelho, seguido do quadril, ombro, articular esterno-clavicular, sacroilíaca, etc. As pequenas articulações das mãos são mais raramente acometidas por artrite bacteriana, à exceção da infecção por gonococo (ver adiante).

Os indivíduos com infecção bacteriana purulenta tendem a desenvolver febre e os sintomas de dor, edema e limitação funcional são quase sempre proeminentes. Do ponto de vista didático, em função da enorme predominância estatística, na prática, podemos dividir a artrite bacteriana em dois grupos: artrite gonocócica e não-gonocócica.

1- Artrite Gonocócica

A artrite gonocócica pode apresentar duas formas diferentes:

a) O paciente abre o quadro com manifestações sistêmicas de febre, calafrios e lesões de pele, acompanhadas de envolvimento poliarticular. Neste estágio, as hemoculturas são frequentemente positivas; as culturas de líquido sinovial frequentemente negativas; e a Neisseria costuma ser encontrada em culturas de orofaringe, reto, cérvice e uretra. Eventualmente, o gonococo pode ser encontrado nas lesões de pele.

b) A artrite é purulenta e monoarticular, sem sintomas sistêmicos proeminentes. Em muitos casos, estas formas de apresentação são evolutivas, isto é, o paciente desenvolve um quadro ‘bacteriêmico’ caracterizado pela poliartrite, pelos sinais gerais, pela positividade das hemoculturas e negatividade das culturas sinoviais, e evolui para ‘localização’ da bactéria em uma ou poucas articulações, positivando as culturas sinoviais e negativando as hemoculturas. É comum a ocorrência de tenossinovite.

Com frequência o diagnóstico é presuntivo, pois o esfregaço do líquido sinovial e a cultura costumam ser negativos. Devem ser sempre solicitadas culturas de materiais colhidos de uretra, colo uterino, garganta, reto, sangue e pele, mas estes também podem ser negativos.

Muito sugestivo do ponto de vista diagnóstico é o relato de febre e poliartralgias migratórias que progridem para artrite oligoarticular franca e estão associadas com tenossinovite e lesões cutâneas específicas. Estas lesões são vesicopapulares e se dispõem sob uma base eritematosa, frequentemente com centros necróticos ou hemorrágicos. Lesões semelhantes são observadas na artrite causada pelo meningococo.

A resposta da artrite gonocócica à antibioticoterapia com penicilina é dramática.

2- Artrite Não-Gonocócica

O Staphylococcus aureus é responsável pela imensa maioria dos casos de artrite não-gonocócica, seguido por outros cocos gram-positivos (como os Streptococcus pyogenes, pneumoniae e viridans) e bacilos gram-negativos (como Escherichia coli, Salmonella, Pseudomonas, etc). O Haemophylus influenza só é comum em crianças até quatro anos de idade. Após substituição de uma articulação por prótese, um problema cada vez mais frequente tem sido a infecção subsequente por Staphylococcus epidermides.

Com frequência, os pacientes com artrite bacteriana não-gonocócica ou são muito jovens ou muito idosos, ou imunocomprometidos ou viciados em drogas endovenosas.

Durante um processo bacteriêmico, os fatores de risco para o desenvolvimento da artrite bacteriana são, dentre outros, a existência de lesão articular prévia (Artrite reumatoide, osteoartrose, etc.). Os pacientes com artrite séptica não-gonocócica geralmente se apresentam com uma monoartrite francamente inflamatória, associada a sinais sistêmicos de toxemia que acompanham qualquer infecção grave.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DAS ARTRITES SÉPTICAS

ARTRITE GONOCÓCICA:
- Geralmente em adultos jovens e sadios
- Poliartralgias migratórias/Poliartrite iniciais comuns
- Tenossinovite na maioria
- Hemoculturas positivas em menos de 10% dos casos
- Cultura do líquido sinovial positiva em 25% dos casos

ARTRITE NÃO-GONOCÓCICA
- Mais frequente em crianças, idosos ou imunodeficientes
- Início do quadro com monoartrite purulenta
- Tenossinovite rara
- Ausência de lesões cutâneas características
- Hemocultura positiva em 50% dos casos
- Cultura do líquido sinovial positiva em 90% dos casos

Observando o quadro anterior, percebemos algumas características importantes que ajudam a diferenciar a artrite gonocócica das outras bacterianas, como a alta frequência de tenossinovite, as erupções cutâneas características e o acometimento poliarticular, especialmente punhos e mãos.

II – ARTRITE POR MICOBACTÉRIAS

O envolvimento é tipicamente monoarticular e crônico e o exame patológico revela uma reação do tipo granulomatosa. O principal local acometido é o joelho, seguido pelo punho, tornozelo e quadril.

Atualmente, segundo as estatísticas americanas, os principais agentes etiológicos que causam artrite monoarticular crônica infecciosa são as micobactérias (que não a M. tuberculosis), seguidas de perto pelo Sporotrix shenckii (ver adiante).

O diagnóstico depende da cultura do material (positiva em 80% dos casos) ou da biópsia (positiva em 90% dos casos).

III – ARTRITE FÚNGICA

O Sporothrix schenkii pode causar infecção das articulações, sendo as principais: o joelho, o punho e o cotovelo. Frequentemente, o acometimento articular por micobactérias ou fungos apresenta-se tão insidioso, que outras hipóteses não-infecciosas costumam ser aventadas.

IV – ARTRITE VIRAL

Os principais vírus que podem ser responsabilizados pelo desenvolvimento de artrite são:

. Adenovírus
. Epstein-Barr vírus
. Vírus da hepatite B
. Varicella-zoster vírus
. Virus influenza
. Echovírus

Como já foi dito, as infecções articulares virais tendem a ser disseminadas e as articulações mais frequentemente envolvidas são as interfalangianas e as do punho, cotovelo e tornozelo. Os sintomas articulares raramente perduram por mais de seis meses e nunca deixam sequelas. A análise do líquido articular geralmente revela monocitose.

Pacientes com hepatite B podem estar propensos a desenvolver artrite, artralgias e reações uriticariformes (edema, reações eritematosas, etc.). Estas manifestações costumam preceder a icterícia por dias ou semanas, mas desaparecem após seu início. Complexos imunes podem ser detectados no soro dos pacientes acometidos.

Laboratório

O líquido sinovial de uma artrite bacteriana tende a ser purulento ou no mínimo turvo, embora ocasionalmente seja serosanguinolento. A contagem de leucócitos costuma ser superior a 100.000/mm3 em mais da metade dos casos e em 90%, há predomínio de polimorfonucleares.

Níveis muito baixos de glicose no líquido sinovial, como valores menores 1ue 40 mg/dl do nível sérico, sugerem bastante artrite supurativa.

Considerações Diagnósticas

Gram e cultura de líquido sinovial são exames laboratoriais extremamente valiosos. A cultura para bactérias acerta o diagnóstico na grande maioria dos casos.

Não se deve esquecer de colher também hemoculturas em todo caso suspeito de artrite bacteriana. As hemoculturas têm se mostrado positivas em torno de 10 a 60% destas formas de artrite.

Se houver suspeita de tuberculose, deve-se fazer pesquisa direta (Ziehl-Nielsen) e cultura para micobactérias. Esta última acerta o diagnóstico em mais de 70% dos casos.

Se existir forte suspeita de doença gonocócica disseminada, deve-se realizar também cultura de orofaringe, reto, cérvice e uretra.

Abordagem

Qualquer pessoa com artrite aguda monoarticular deve ter entre as suspeitas diagnósticas a infecção bacteriana. Entretanto, uma série de outras condições não-infecciosas podem determinar este tipo de acometimento articular, como artrite reumatoide, gota e pseudogota. Assim como na artrite inflamatória, o líquido sinovial destas condições costuma revelar aumento acentuado dos leucócitos e predomínio de polimorfonucleares.

Desta forma, diante de um paciente com artrite aguda monoarticular, devem ser solicitados os seguintes exames:
1.Cultura de líquido sinovial e hemocultura
2.Pesquisa de cristais (forte birrefringência negativa: ácido úrico birrefringência positiva: pirofosfato de cálcio).

Em 10% dos indivíduos com artrite séptica ocorrem acometimentos de mais de uma articulação. Nestes casos, devem ser solicitados testes sorológicos específicos, como fator reumatoide, célula LE, FAN, etc.

Artrite gonocócica, Síndrome de Reiter e febre reumática aguda podem se apresentar de forma bastante semelhante e devem ser suspeitadas em qualquer adulto jovem que desenvolva febre e acometimento articular múltiplo.

Em qualquer paciente portador de uma artrite aguda, com manifestações sistêmicas de virose, e nos quais não se consegue estabelecer um agente bacteriano, o diagnóstico de artrite viral deve ser considerado. Infelizmente, em geral não se consegue isolar o vírus da articulação, sendo então necessária uma confirmação sorológica.

Não se deve esquecer nunca que o curso do acometimento articular pode ser o principal fator de distinção entre uma etiologia viral e outras etiologias reumáticas. Todas podem apresentar acometimento generalizado, mas a artrite viral é sempre autolimitada e nunca deixa sequelas.

Já foi mencionado que qualquer artrite monoarticular crônica deve ser avaliada para micobactérias e fungos. Uma biópsia sinovial seguida de cultura deve ser realizada se, nestes pacientes, as culturas de líquido sinovial forem negativas.

Tratamento

A administração intravenosa de penicilina G cristalina, ampicilina e cefalotina conseguem determinar níveis terapêuticos intra-articulares mais do que satisfatórios. A via oral deve ser evitada, por ser menos eficaz.

Injeções de antibióticos intra-articulares não são necessárias, mesmo porque podem causar sinovite asséptica (principalmente a penicilina).

A escolha do esquema antibiótico deve variar de acordo com a idade do paciente:

1) para crianças recém-natas, onde há a possibilidade de estafilococos, estreptococos agalactiae e gram-negativos, o esquema antibiótico empírico poderá ser feito com oxacilina +gentamicina.

2) para crianças entre um mês e cinco anos,, a terapia empírica deve-se incluir uma cefalosporina de 3ª geração para o Haemophylus. O esquema poderá ser feito com cefalosporina de 3ª geração + oxacilina.

3) para adultos, principalmente quando se detecta um foco cutâneo de infecção estafilocócica, o tratamento empírico poderá ser feito apenas com oxacilina.

4) no caso de dúvida entre a origem estafilocócica e gonocócica, o tratamento empírico poderá ser feito com oxacilina + ceftriaxone.

Evidentemente, existem várias outras possibilidades de esquema antibioticoterápicos, todos válidos, desde que ofereçam eficácia contra os principais patógenos envolvidos. Além disso, estes esquemas são empíricos, devendo somente ser utilizados como uma abordagem momentânea inicial, antes que se possa obter a confirmação etiológica específica.

Um exame que pode ser de grande valia para a escolha inicial do esquema de antibióticos é a realização de gram do líquido sinovial da articulação acometida.

Isolado o patógeno, a terapia deve ser individualizada:

Staphylococcus aureus – Oxacilina por 3 semanas
Gonococos – Ceftriaxone por 7 a 10 dias
Haemophylus influenzae – Ceftriaxone por 2 semanas
Gram negativos entéricos – Ceftriaxone por 2 semanas

Aspiração dos Derrames Articulares e Drenagem Cirúrgica

Após a coleta inicial do líquido sinovial para diagnóstico específico, a grande maioria dos indivíduos com artrite séptica responde completamente a um esquema de antibióticos bem formulado.

Durante a primeira semana de tratamento, novas punções têm se mostrado eficazes caso existam efusões recorrentes, já que a aspiração consegue reduzir o volume do líquido sinovial, a contagem de leucócitos e a percentagem de polimorfonucleares. Desta forma, durante os sete primeiros dias de tratamento, a combinação de antibioticoterapia e aspiração (quando necessária) é ideal.

Efusões persistentes após sete dias de tratamento indicam a necessidade de drenagem cirúrgica. A artrite séptica do quadril frequentemente exige drenagem cirúrgica pela dificuldade de acesso para uma aspiração com agulha.

Caso a drenagem cirúrgica aberta seja realizada, não existe evidência de que a irrigação contínua da articulação no pós-cirúrgico tenha algum valor.

O esquema de antibióticos deve ser continuado por pelo menos uma semana após uma drenagem aberta e a cicatrização deve ser feita por segunda intenção.

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Quem sou eu

Nascido no Japão como filho de massagista shiatsu em 1947, imigrado ao Brasil em 1959, residente em Marília/SP/Brazil desde 1997.

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