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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Reumatologia: Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídio (SAF)

Marcello L. Marinho Jr


Os quadros de Trombose Venosa Profunda (TVP) e os episódios tromboembólicos arteriais fazem parte do dia-a-dia dos clínicos, angiologistas e cirurgiões vasculares, seja nas grandes emergências ou em enfermarias. Na grande maioria dos casos, os fatores de risco associados nos saltam aos olhos (pós-operatórios ortopédicos e oncológicos, pacientes acamados, com insuficiência cardíaca; identificação ao ecocardiograma de trombos intracavitários em um paciente com um ictus neurológico, etc.), porém, em um percentual ainda pouco estimado, as condições predisponentes não se mostram tão claras. É neste momento que o nosso conhecimento sobre as diversas síndromes ou doenças associadas a hipercoaguabilidade se faz necessária.

A síndrome do anticorpo antifosfolipídio (SAF) teve seus primeiros relatos em 1952 e foi descrita inicialmente por métodos laboratoriais, como a presença de um anticoagulante circulante encontrado em pacientes com LES (lúpus eritematoso sistêmico) (‘anticoagulante lúpico’), associado a um teste sorológico comum falso-positivo para sífilis. Na década de 60, viu-se que, apesar desta designação, os pacientes com este ‘anticoagulante’ estavam na realidade sujeitos a fenômenos trombóticos. Logo após, foi reconhecida a associação destes fenômenos com abortos repetidos. Nos anos 80, as pesquisas intensificaram-se e nos foi revelado que este ‘fator’ anticoagulante do lúpus era na verdade um anticorpo antifosfolipídio. Com a introdução de um teste com maior sensibilidade para detecção destes anticorpos (imunoensaio em fase sólida para anticardiolipina), um maior número de doentes foi identificado. Nos dias de hoje, sabemos que a SAF não é exclusiva de pacientes lúpicos, fato esse que expandiu bastante o nosso horizonte diagnóstico.

Epidemiologia

Os dados epidemiológicos não se mostram esclarecedores, pois faltam critérios diagnósticos universalmente aceitos. A prevalência da SAA na realidade não é conhecida e a aparente predominância feminina se deve à associação com LES e abortos repetidos, dados que nos induzem a suspeitar do diagnóstico. Devemos lembrar que uma grande parte de pacientes que possuem os anticorpos isolados não demonstram os achados clínicos da síndrome.

Manifestações Clínicas

Os altos títulos de anticorpos antifosfolipídios, a presençaa de tromboses vasculares recorrentes, abortamentos repetidos e trombocitopenia caracterizam a SAA. Uma variedade de anormalidades cutâneas, em válvulas cardíacas e no sistema nervoso central tem sido descritas e apresentam frequência variável. Veremos abaixo cada um dos achados em separado para um melhor entendimento:

Os sítios mais comuns de trombose venosa incluem as veias superficiais e profundas dos membros inferiores, com alguns desses pacientes apresentando embolia pulmonar. Há descrição de formação de trombos em veias cava, mesentéricas, renais, pélvicas, dentre outras.

A circulação arterial está também acometida. Acidentes vasculares cerebrais isquêmicos, ataques isquêmicos transitórios e quadros demenciais decorrentes de infartos silenciosos podem compor o quadro clínico. Outros territórios acometidos podem ser o leito coronariano, os vasos retinianos, as artérias mesentéricas e dos membros inferiores.

As veias e artérias de médio e pequeno calibre, ao contrário do que se pensava, podem ser afetadas. A disfunção renal progressiva apresentada por alguns pacientes pode ter na sua gênese a trombose de artérias interlobulares, arteríolas e capilares do glomérulo. A necrose cutânea, manifesta por máculas eritematosas, úlceras, púrpuras dolorosas, bolhas hemorrágicas e mesmo uma forma disseminada com gangrena associada, tem na trombose de arteríolas, capilares e vênulas da derme, a sua origem.

As complicações apresentadas em gravidezes repetidas, devem-se geralmente à oclusão de vasos placentários. O sofrimento fetal, as perdas fetais, os partos prematuros e os abortamentos acontecem de maneira frequente. As complicações descritas, principalmente os abortamentos, ocorrem geralmente no terceiro trimestre, em mulheres com complicações semelhantes no passado e em gestantes com títulos altos de IgG anticardiopilina.

As anormalidades em válvulas cardíacas foram descritas na síndrome, principalmente em associação com LES. Os achados incluem desde insuficiência mitral e aórtica até a presença de vegetações típicas da endocardite de Libman-Sacks.

Além dos achados dermatológicos acima, o livedo reticular ganha cada vez mais importância na literatura. A natureza desta anormalidade vascular ainda não está bem compreendida, mas acredita-se ser decorrente de um fluxo sanguíneo diminuído para regiões subpapilares e para a derme. Há relato da sssociação de livedo reticular com acidente cerebrovascular (Síndrome de Sneddon), trombocitopenia e enxaqueca.

Patogênese

A relação entre a presença do anticorpo antifosfolipídio (seja ele identificado como anticoagulante lúpico ou anticardiolipina) e episódios trombóticos ou de abortos repetidos permanece pouco esclarecida. Os anticorpos podem ser encarados apenas como marcadores da doença e o estado pró-coagulante, ocasionado por fatores ainda desconhecidos.

Critérios para identificação da Síndrome

Devemos sempre suspeitar da presença da SAF quando estamos frente a eventos trombóticos em pacientes jovens, na presença ou não de LES. Além dos episódios oclusivos arteriais e venosos e de gestações interrompidas sem motivo aparente, é importante definirmos alguns achados laboratoriais específicos:
- O teste do anticoagulante lúpico é um ensaio funcional que mede a capacidade in vitro do anticorpo antifosfolipídio de prolongar algumas provas de coagulação, como o tempo de tromboplastina parcial (PTT).
- O teste de anticardiolipina em fase sólida utiliza o método ELISA, com a cardiolipina como um antígeno. Ele permite a identificação e quantificação de classes específicas de anticorpos anticardiolipina (IgG, IgA e IgM).

Costumamos definir a síndrome na presença de pelo menos um critério clínico somado a um laboratorial. Os testes laboratoriais devem ser positivos em pelo menos duas ocasições distintas, com um intervalo de oito semanas:

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA SAF

Clínicos – Laboratoriais:
Trombose Venosa – Lúpus anticoagulante
Trombose Arterial – IgG anticardiolipina (>20 GPLu)
Abortos Repetidos (inexplicados) – IgM anticardiolipina (>20 MPLu)

Tratamento

Como medida geral é recomendável a interrupção do fumo e do uso de contraceptivos orais, além do controle estrito do diabetes melitus, obviamente quando esses fatores estiverem presentes.

A anticoagulação com Warfarin (Marevan), objetivando um INR entre 2,5 e 3,0 é indicada para evitar recidivas de episódios trombóticos. Alguns autores são enfáticos quanto à necessidade de INR maiores, por exemplo, entre 3,0 e 3,5; outros defendem esse valor apenas quando os eventos trombóticos ocorrerem em vigência de valores de INR entre 2,5 e 3,0. Recomendamos esta última estratégia.

Os pacientes que têm apenas o anticorpo identificado e que nunca apresentaram as manifestações trombóticas, devem utilizar aspirina, na dose de 325 mg/dia, como profilaxia.

O uso de ciclofosfamida, plasmaférese e glicocorticoides em altas doses, somados a anticoagulação sistêmica com heparina, tem sido empregados com sucesso variável nas formas catastróficas da síndrome.

Em mulheres grávidas, já sabidamente portadoras da síndrome, o Warfarin deve ser suspenso devido a seus efeitos teratogênicos. A paciente deve ser mantida com heparina subcutânea, na dose de 10.000 a 15.000 unidades, duas vezes ao dia, até a concepção.

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Quem sou eu

Nascido no Japão como filho de massagista shiatsu em 1947, imigrado ao Brasil em 1959, residente em Marília/SP/Brazil desde 1997.

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