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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Reumatologia: O Olho e a Reumatologia

Eduardo Paulo filho Di Piero


As doenças reumatológicas formam um grupo de afecções heterogêneas, que apresentam múltiplas etiologias e são na maioria das vezes mediadas pelo sistema imune. A princípio, estas doenças podem ser reunidas em três grandes grupos: as artrites (soropositivas e soronegativas), as doenças do tecido conectivo (‘colagenoses’) e as vasculites.

As principais manifestações oftalmológicas das doenças reumáticas incluem: a Esclerite, a Síndrome de Sjögren, as Uveítes, as doenças vasculares retinianas e as lesões neuro-oftalmológicas. Cada uma destas manifestações está associada mais especificamente a um tipo de doença reumática.

Assim, as esclerites estão associadas mais comumente à artrite reumatoide ou às vasculites. As uveítes anteriores agudas são mais presentes nas espondiloartropatias soronegativas, e as lesões retinianas e neuro-oftalmológicas acompanham desordens que apresentem componentes vaso-oclusivos, como o LES ou outras vasculites.

I- CONSIDERAÇÕES ANATÔMICAS

O globo ocular é constituído principalmente de três camadas:

1- Camada Externa

Dá o suporte que mantém o formato do olho e é constituída da córnea, estrutura transparente que forma o 1/6 anterior do olho, e da esclera, estrutura opaca que forma os 5/6 posteriores do olho (conhecida como ‘branco do olho’).

2- Camada Média ou Úvea

Consiste da íris, corpo ciliar e da coroide. A íris é a estrutura que dá a cor ao olho e se situa entre a córnea e o cristalino. No centro da íris se situa a pupila, abertura por onde passam os raios luminosos que vão atingir a retina e nos dar o sentido da visão. A pupila se contrai (diminui de tamanho) sob estímulo parassimpático, e se dilata sob estímulo do sistema simpático.

O corpo ciliar é o responsável pela produção do humor aquoso e a coroide é a camada vascular do olho, que fornece o suprimento sanguíneo para grande parte das estruturas oculares.

3- Camada Interna

Representada pela retina, camada sensorial do olho, responsável por levar os estímulos visuais para o sistema nervoso central. O corpo vítreo constitui um espaço no interior do olho, preenchido por um gel transparente, o humor vítreo.

II- UVEÍTES

A úvea, por ser a camada vascular do olho, se torna a sede preferencial do globo ocular para as afecções difundidas pela corrente sanguínea, sejam elas auto-imunes ou infecciosas.

Uveíte é o termo utilizado para designar a inflamação do trato uveal, a camada média do olho, mas atualmente tem uma designação mais abrangente, referindo-se também às inflamações que afetam não só a úvea, mas também a esclera, retina, corpo vítreo e nervo ótico.

As uveítes podem ser classificadas anatomicamente em:

Anteriores ou Iridociclites: afetam a íris e o corpo ciliar
Intermediárias: afetam parte posterior do corpo ciliar e a parte mais anterior da retina
Posteriores: afetam a retina, coroide ou a região junto ao nervo ótico
Difusas: acometem todo o trato uveal, contaminando o corpo vítreo

1- Sintomas

- Dor, causada por espasmo do músculo ciliar
- Fotofobia
- Lacrimejamento
- ‘Floaters’: que são referidos pelo paciente como manchas negras móveis no campo de visão. São comuns nas uveítes que acometem o corpo vítreo.
- Diminuição da acuidade visual no olho afetado

2- Sinais

- Hiperemia ocular discreta, mais evidente na junção da córnea com a esclera, conhecida como injeção ciliar.
- Presença de depósitos celulares na córnea (precipitados ceráticos).
- Presença de células no humor aquoso e no humor vítreo.
- Vasculite retiniana, visível ao exame de fundo de olho.
- Ceratopatia em faixa: depósito de cálcio em forma de ‘faixa’ na córnea anterior, comum nas inflamações crônicas oculares de longa duração.
- Sinéquias posteriores, que são aderências entre a íris e a superfície anterior do cristalino, que ocorrem nas inflamações intra-oculares intensas.
- Olho seco: ocorre devido a uma deficiência na secreção lacrimal, estando mais associada à artrite reumatoide (Síndrome de Sjögren secundária).

3- Tratamento das Uveítes

O tratamento das uveítes é feito com colírios que causam midríase (dilatação da pupila) para evitar o espasmo do músculo ciliar e as sinéquias posteriores, além de colírios de corticoides para diminuir a inflamação ocular. O tratamento deve ser feito em conjunto com o reumatologista, visando agir sobre a doença sistêmica básica também.

III- LESÃO OCULAR NAS DOENÇAS REUMATOLÓGICAS

1- Artropatias Soronegativas
1.1- Espondilite Anquilosante
1.2- Síndrome de Reiter
1.3- Psoríase
1.4- Enteropatias
- Colite Ulcerativa
- Doença de Crohn
2- Artrite Crônica Juvenil
3- Artrite Reumatóide
4- Síndrome de Behçet
5- LES

1- Artropatias Soronegativas

Estão aqui incluídas as doenças assim chamadas historicamente, devido à ausência do fator reumatoide.

1.1- Espondilite Anquilosante

O comprometimento ocular se caracteriza por uma uveíte anterior, unilateral que ocorre em 33% dos casos da forma aguda de Espondilite Anquilosante. O olho acometido se encontra hiperemiado, com precipitados ceráticos, mas o cristalino e corpo vítreo não revelam alterações. Nos casos crônicos, o acometimento pode ser bilateral, e nesses existe um maior número de complicações, como ceratopatia em faixa e catarata.

1.2- Síndrome de Reiter

Caracteriza-se por uma tríade: conjuntivite ou uveíte anterior, artropatia e uretrite ou disenteria. A conjuntivite geralmente é bilateral e de longo curso. Na forma uveítica, que ocorre em 30 a 50% dos casos, o quadro é de uma uveíte anterior, apresentando complicações apenas com a cronificação do caso. A uretrite ou disenteria geralmente precedem o quadro ocular.

1.3- Artrite Psoriásica

O quadro ocular é semelhante ao das outras condições associadas ao HLA-B27 que apresentam, na maioria das vezes, uveíte anterior, e menos frequentemente, conjuntivite (20%); ou mesmo esclerite (2%).

1.4- Enteropatias

Apenas 5 a 8% dos pacientes com Doença de Crohn ou colite ulcerativa apresentam acometimento ocular, sendo o mais comum a uveíte anterior, com poucas complicações. Ironicamente, Crohn descreveu os dois primeiros casos da doença que levou o seu nome, em pacientes com conjuntivite e uveíte.

2- Artrite Crônica Juvenil (ACJ)

A doença ocular está associada ao subgrupo Pauciarticular da ACJ, sendo praticamente ausente nos outros tipos. Os pacientes com anticorpo anti-nuclear positivo apresentam maior risco de desenvolver manifestação ocular, que consiste de uveíte crônica, bilateral em 70% dos casos que origina poucos sintomas, o que atrasa o diagnóstico e propicia o aparecimento de complicações.

3- Artrite Reumatoide

A patologia ocular que ocorre com mais frequência nesses casos é a ceratoconjuntivite seca (15% como Síndrome de Sjögen secundária), que se caracteriza por uma diminuição da produção de lágrimas e conjuntivite crônica.

A AR também é responsável por um tipo grave de esclerite necrotizante, de difícil tratamento, que pode levar à perfuração espontânea do globo ocular (escleromalacia perfurante).

Pacientes com AR que estejam recebendo tratamento com hidroxicloroquina ou cloroquina podem desenvolver retinopatia e depósitos corneados como efeitos colaterais, devendo ser submetidos a exame oftalmológico e de fundo de olho a cada seis meses. O risco de toxidade é dose-dependente, e se torna significativo quando a dose total excede 300 g (i.e. 250 mg/dia durante 3 anos).

4- Síndrome de Behçet

O quadro ocular da Síndrome de Behçet se caracteriza por uveíte grave, recidivante, granulomatosa, bilateral, que pode apresentar hipópio (coleção de pus na câmara anterior do olho).

O corpo vítreo se apresenta com uma vitreíte importante e o fundo de olho se caracteriza por focos de retinite, vasculite e inflamação da cabeça do nervo ótico (papilite).

5- LES – Lupus Eritematoso Sistêmico

As principais manifestações oculares do LES são classificadas em quatro categorias:
1- Envolvimento da pele das pálpebras com lesões eritematosas, como parte do quadro de lúpus eritematoso discoide.
2- Ceratoconjuntivite seca, que é uma das manifestações oculares mais comuns do LES, acometendo 25% dos casos.
3- Acometimento retiniano, que também é muito comum, e consiste em exsudatos algodonosos isolados ou cercados de hemorragias intra-retinianas. Embora muitos desses pacientes apresentem também hipertensão arterial, estes achados são na maioria das vezes distintos da retinopatia hipertensiva. Uma pequena parte dos pacientes com retinopatia apresenta uma vasculite retiniana associada. Os pacientes deste grupo tem um prognóstico visual muito pior e, geralmente, possuem doença sistêmica grave com acometimento do sistema nervoso central.
4- Manifestações neuro-oftalmológicas, que consistem em paralisias de nervos cranianos e processos de isquemia do quiasma óptico e do nervo óptico.

Questões de Concursos

1- A episclerite ocorre mais frequentemente em:
a. tuberculose
b. sífilis
c. herpes zoster
d. síndrome de imunodeficiência adquirida
e. colagenoses *

2- Paciente jovem com crises recorrentes de irite, hipópio e fundo de olho normal associados à presença de aftas na cavidade oral e ulceração na genitália. O diagnóstico mais provável é:
a. Síndrome de Stevens Johnson
b. Behçet *
c. Reiter
d. Millard-Gluber
e. de Foville

3- A doença que mais se associa à uveíte é
a. artrite reumatoide juvenil *
b. toxoplasmose
c. sarampo
d. rubéola
e. sífilis

4- No Brasil, a principal causa de uveíte posterior é:
a. sífilis
b. tuberculose
c. toxocaríase
d. toxoplasmose *
e. estafilococcia

5- O HLA-B27 positivo é importante para o prognóstico da seguinte entidade ocular:
a. Retinopatia diabética
b. ceratite dentrítica
c. irite *
d. catarata

6- A episclerite acompanha com mais frequência
a. tracoma
b. toxoplasmose
c. ceratoconjuntivite epidêmica
d. brucelose
e. doenças do tecido conectivo *

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Quem sou eu

Nascido no Japão como filho de massagista shiatsu em 1947, imigrado ao Brasil em 1959, residente em Marília/SP/Brazil desde 1997.

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