Assuntos relacionados à saúde em geral, medicina ocidental, oriental, alternativa, trechos de livros e revistas.

domingo, 28 de agosto de 2011

Psiquiatria: Insônia - Diagnóstico e Tratamento

Dalva Poyares
Georgino H. P. Lemos
Sérgio Tufik
Introdução

Existem várias definições para insônia. a classificação Internacional dos Distúrbios do Sono (ICSD, 1997) define insônia como “dificuldade em iniciar ou manter o sono”. Outra definição usada por alguns centros de distúrbios do sono é “presença de um sono inadequado ou de má qualidade, caracterizado por um ou mais dos seguintes sintomas: dificuldade em iniciar ou manter o sono e sono não-reparador”. Este último parece não ser um bom indicador para insônia, uma vez que pode estar associado a uma série de outros distúrbios do sono e transtornos mentais (Ohayon ET. AL., 1997). O DSM-IV inclui na sua definição prejuízos no funcionamento durante o dia. A insônia é um sintoma que pode constituir por si só um distúrbio do sono ou pode ser decorrente de condições ambientais ou clínicas mencionadas a seguir.

Epidemiologia

Apesar das diferentes metodologias empregadas e das diferentes definições, a prevalência de insônia de qualquer duração ou severidade nas populações gerais é de cerca de 30 a 50%. A estimativa da freqüência de insônia na cidade de São Paulo é de cerca de 50%, no mínimo 2 vezes/semana por um período mínimo de um mês (Poyares e Tufik, 1996). Já a prevalência de insônia crônica nas populações é de cerca de 10% (Kryger ET AL., 2000). A frequência estimada do consumo de medicamentos para promover o sono entre os insones na cidade de São Paulo é de aproximadamente 20%, sendo os benzodiazepínicos os mais consumidos (Poyares e Tufik, 1996). Entretanto, esse quadro pode não corresponder à realidade atual na medida em que novas técnicas de tratamento não-medicamentoso, fitoterápico e novos hipnóticos não-benzodiazepínicos têm encontrado no mercado desde 1996.
São fatores de risco para insônia: o sexo feminino, o envelhecimento e a ocorrência de transtornos mentais ou de doenças clínicas. O trabalho em turno, principalmente em turnos alternados ou não habituais, também pode ser considerado um fator de risco. Dentre os idosos, os aposentados e/ou inativos e viúvos estão em maior risco.

Conseqüências e Comorbidades

A freqüência de conseqüências e comorbidades depende principalmente do tempo de duração da insônia, do transtorno ou doença associados e do subtipo diagnosticado. De maneira geral, nas insônias crônicas, sintomas cognitivos e alteração do humor secundária são observados, mas geralmente não preenchem os critérios para depressão maior (APA, 1994). Irritabilidade, redução do desempenho, alteração da concentração, queixas de memória e fadiga são comuns. Ainda não foi demonstrado claramente que esses déficits cognitivos são totalmente revertidos após o tratamento. A ocorrência de insatisfação global com o sono, sonolência diurna e fadiga intensa sugerem a concomitância de um diagnóstico clínico ou psiquiátrico. Há relatos de que insones também têm tendência a apresentar abuso de drogas. De fato, o consumo de álcool com a finalidade promotora do sono é mais comum nesses indivíduos. Entretanto, Roehrs ET AL. (1996), em estudo controlado, demonstraram que pacientes com insônia primária buscam na terapia a melhora do sintoma, e pelo menos a curto prazo não demonstraram comportamento de escalonamento de dose nem abuso.

Classificação das Insônias segundo ICSD e DSM-IV

A insônia isoladamente como sintoma, à exceção da insônia primária e da má percepção do sono, nunca é um diagnóstico. Sua presença, ao contrário, faz supor a existência de uma causa, que pode ser uma doença do sono em geral, um transtorno mental, a inadaptação circadiana, o efeito d e substâncias, ou ainda, a exposição a determinados fatores ambientais.
As principais classificações utilizadas são o manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (APA, 1994) e a Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono (ICSD, 1997). A principal diferença entre elas é que na ICSD a insônia psicofisiológica corresponde à insônia primária do DSM-IV; além disso, é mais completa na descrição das insônias. O ICSD prevê quase 50 causas ou distúrbios relacionados à insônia, entretanto apenas os principais serão mencionados neste artigo.

Insônia psicofisiológica. É responsável por aproximadamente 15% das causas de insônia e habitualmente tem início na idade adulta. É uma insônia crônica que resulta de um condicionamento que associa estímulos habitualmente relacionados ao sono a um estado de hiperalerta, que impede que o indivíduo durma. Esses estímulos podem ser: deitar na própria cama, escovar os dentes, apagar a luz, dormir em horário não desejado, etc. Os pacientes não apresentam psicopatologia, apesar de humor disfórico e ansiedade com especial atenção a insônia serem comuns o que difere essa condição do TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada). Isso se deve a uma tentativa inconsciente do indivíduo em minimizar a importância de algum fator precipitante presente à custa da supervalorização da insônia. Eles dormem melhor em ambientes estranhos, onde não existam os estímulos condicionadores, por isso, podem dormir bem no laboratório de sono.

Má percepção do estado de sono. Ocorre em até 55 dos casos. É caracterizada pela discrepância entre a percepção da qualidade e quantidade do sono, descritas como ruins pelo paciente, e os valores normais encontrados na polissonografia, sem psicopatologia ou simulação. Em geral, os insones tendem a subestimar a duração do sono e superestimar a latência para o início do sono, o que leva alguns autores a imaginar a má percepção do sono como o extremo de um contínuo.

Insônia idiopática. É uma causa rara de insônia, com início na infância. Sua origem é desconhecida, porém um desequilíbrio neuroquímico do sistema de controle sono-vigília tem sido sugerido. Existe uma predisposição familiar em alguns casos descritos. Seu diagnóstico é feito após a exclusão de outras causas de insônia na infância, principalmente transtornos mentais, má higiene do sono, falta de limites e sono curto.

Insônia associada com transtornos psiquiátricos. É comum a insônia preceder ou ocorrer simultaneamente a transtornos psiquiátricos. Em 35% por insones, algum tipo de doença psiquiátrica é caracterizado. Com exceção de fobia simples, a insônia pode estar associada a quase todas as condições ansiosas, especialmente ao transtorno de ansiedade generalizada (TAG). Na depressão, o despertar precoce é mais comum, mas dificuldade em iniciar o sono também ocorre, particularmente em adolescentes e adultos jovens. No transtorno bipolar, a insônia faz parte da fase de mania, contrapondo-se à hipersonia, que é mais comum durante a fase depressiva. Na psicose, o ciclo sono-vigília está geralmente invertido ou atrasado, com aumento dos despertares tanto durante o sono diurno quanto à noite. Os achados objetivos do sono da polissonografia na esquizofrenia podem ser muito semelhantes aos encontrados na depressão.

Insônia associada a outras condições médicas. Qualquer condição que produza desconforto ou dor pode fragmentar o sono. Na presença de dor crônica muscular esquelética, existem alguns achados quase típicos na polissonografia que chamam a atenção para o caráter não-reparador das fases profundas do sono, apesar de elas ocorrerem em maior ou menor grau.
Em portadores de lesões cerebrais são comuns as alterações circadianas do ciclo sono-vigília, caracterizadas por sonolência diurna e insônia noturna. Na doença de Alzheimer é comum a deambulação associada à confusão mental durante a noite (sundown syndrome).

Insônia associada ao uso de substâncias. Etanol, benzodiazepínicos, beta-bloqueadores, broncodilatadores, diuréticos, esteróides e hormônio tireoidiano são alguns exemplos. No caso dos benzodiazepínicos, o uso crônico induz insônia pior que a original, secundária ao desenvolvimento de tolerância ou durante a retirada rápida da droga. O uso de qualquer substância com ação hipnótica por tempo prolongado pode induzir a um condicionamento psicológico que prejudica a abordagem da causa, uma vez que centraliza a atenção do doente apenas na insônia.

Insônia associada a fatores ambientais. Luz, barulho, calor, frio e movimento do companheiro são alguns exemplos de fatores físicos que atrapalham o sono.

Insônia associada com higiene do sono inadequada. Refere-se a hábitos que prejudicam o início do sono, como ingestão excessiva de cafeinados e álcool, fumar ao final da tarde, realizar atividade mental e exercícios físicos intensos próximo ao deitar, manter um horário de sono irregular, cochilar durante o dia e permanecer na cama sem vontade de dormir.

Insônia associada a doenças do sono. Quaisquer distúrbios intrínsecos ou extrínsecos do sono (ICSD, 1997) que levem à fragmentação do mesmo, a despertares durante a noite ou ao medo de dormir podem causar insônia, sejam eles de origem respiratória, distúrbios de movimento, parassonias, etc. Em geral, o diagnóstico e o tratamento do distúrbio associado pode reverter o quadro de insônia. Muitos distúrbios do sono também podem estar associados a condições clínicas, como doenças cardiovasculares, renais, neurológicas, psiquiátricas, etc.

Insônia associada a distúrbios do ritmo circadiano. Na síndrome do atraso de fase e do avanço de fase, o ciclo de sono está postergado e adiantado, respectivamente, em relação ao horário de sono desejado. Na primeira situação, o paciente se queixa de dificuldade par iniciar o sono. Enquanto na segunda, refere despertar precoce. Em ambas, a arquitetura do sono é normal à polissonografia. Os pacientes melhoram durante feriados e finais de semana, quando estão livres das obrigações profissionais. São responsáveis por 5 a 10% das insônias.

Fisiopatogenia e Aspectos Diagnósticos

A insônia primária tem sido citada como mais freqüente nas populações, entretanto, a comorbidade com transtornos mentais, especialmente depressão, ou sintomas de depressão, e ansiedade colocam em questão, na insônia crônica, o caráter diagnóstico de ausência de transtorno mental. Ademais, depressão e ansiedade são condições igualmente prevalentes nas populações gerais. Desse modo, torna-se imperativo durante o seguimento do tratamento malsucedido do paciente com insônia a verificação de sintomas remanescentes de depressão ou a presença de transtorno de ansiedade generalizada.
Um modelo simples (Spielman ET AL., 1996) tem sido utilizado para entender a evolução temporal da insônia. Podemos identificar fatores predisponentes, precipitantes e perpetuantes. Se transitória e de curta duração, comumente identificamos um fator precipitante, que usualmente está relacionado à causa da insônia. Na insônia crônica, no entanto, essa relação é menos óbvia, uma vez que o fator precipitante ocorreu há meses ou anos antes da avaliação e pode não ser mais relevante para o paciente. Nesta situação, fatores perpetuantes e predisponentes podem explicar a sua persistência a partir de um episódio inicial.
Os fatores predisponentes são basicamente os fatores de risco mencionados anteriormente, e mais a predileção por estar acordado até tarde, a presença de um ciclo vigília/sono irregular e a condição do hiperalerta. Já os fatores precipitadores podem ser os estresses da vida diária, como perdas, doenças, mudanças ambientais, etc. Finalmente, os fatores perpetuantes ou mantenedores da insônia dizem respeito a expectativa que não correspondem à realidade, medo adquirido de dormir, conceitos errôneos sobre os hábitos que seriam saudáveis com relação ao sono, amplificação exagerada das conseqüências da insônia, o que por sua vez exacerba a condição de hiperalerta.
Os pacientes com insônia, tais como os deprimidos, têm alta incidência de queixas médicas e procuram mais serviços médicos do que a população em geral, tendo uma qualidade de vida reduzida.
Durante o sono, existe um balanço da atividade dos componentes do sistema nervoso autônomo. Uma ativação simpática pode prejudicar o sono e, além de ser rapidamente desencadeada, tarda muito a se dissipar. Uma descarga autonômica também pode ser condicionada. São exemplos de fatores exógenos e endógenos associados com o aumento da atividade simpática e que devem ser evitados: cafeína, nicotina, exercício intenso, calor, ruídos, preocupações, fome, dor, medo e esforço intenso para dormir. O despertar do sono por qualquer razão está automaticamente associado a ativação simpática com uma resposta reflexa de aumento da pressão arterial e da freqüência cardíaca. Muitas vezes, esses sintomas fazem parte do despertar psicofisiológico, no qual os pacientes contam que se sentem tão alertas que mal podem continuar na cama, com sensação de taquicardia.

Anamnese

A anamnese deve conter dados sobre a história de hábitos de sono, noturnos ou diurnos (cochilos), relacionados à dificuldade de iniciar ou manter o sono e possível associação com fatores ambientais, ao desempenho no trabalho ou nas atividades diárias, à presença de fadiga e/ou sonolência diurna, ao aumento de risco de acidentes, à presença de ronco ou sinais de apnéias durante o sono testemunhadas pelo cônjuge, à presença de movimentos anormais durante o sono e pesadelos, à presença de sintomas de desconforto relacionados à síndrome de pernas inquietas no início do sono e distúrbios do ritmo circadiano. Deve ser investigada também a presença do que chamamos acima de fatores perpetuantes, como comportamentos inadequados com relação ao sono, presença de tensão somatizada relacionada com obrigação e desgosto de ter de dormir, expectativas que não correspondem à realidade, suspeita de permanência de tempo excessivo na cama sem dormir efetivamente, etc.
Do ponto de vista médico, devem ser investigados presença de condições clínicas associadas, principalmente crônicas, quadros dolorosos ou que causem desconforto, história positiva para depressão, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, presença de pânico noturno ou outros transtornos psiquiátricos maiores. É muito importante a história das medicações em uso, tais como estimulantes, antidepressivos com efeito estimulante, hipnóticos/ansiolíticos, corticosteróides e, em menor grau, broncodilatadores. Os beta-bloqueadores lipofílicos têm mais efeitos colaterais no SNC, como por exemplo, o propranolol, que pode fragmentar o sono. A reação pode variar de saúde geral. O questionamento sobre uso de álcool, tabagismo ou outras drogas psicoativas também pode auxiliar no diagnóstico.
Por fim, lembramos dos pacientes com alexitimia, dificuldade em expressar seus sentimentos, que usam problemas somáticos, tais como insônia para “comunicar” sua perturbação mental. Nesse caso, a insônia poderia constituir um sintoma de depressão “mascarada”, entretanto, os manuais diagnósticos não fazem menção a esse tipo de transtorno.
Os principais critérios para estabelecer a gravidade da insônia são freqüência e duração dos sintomas, além do grau de prejuízo do desempenho e bem-estar durante o dia.

Polissonografia

A polissonografia (monitoração dos parâmetros de sono durante a noite inteira) pode não estar indicada em todos os casos de insônia. Entretanto, a concomitância de outros sintomas pode sugerir a presença de outro distúrbio do sono, como movimentos anormais ou distúrbio respiratório do sono que por vezes cursam com insônia à noite e/ou fadiga e sonolência durante o dia. Os achados mais comuns são redução do tempo total de sono com conseqüente redução da eficiência do sono (tempo total de sono/tempo total na cama x 100). Essa porcentagem é considerada normal acima de 85%. A redução da eficiência do sono pode ser secundária ao aumento na latência para início do sono (considerada anormal se acima de 30 minutos) ou ao aumento no número de despertares prolongados (acima de 16 segundos), ou ainda ao tempo total acordado após o início do sono (dificuldade em manter o sono).
Os achados na depressão maior são um pouco mais característicos, como despertar precoce pela manhã, redução da latência para o primeiro sono REM da noite, com conseqüente deslocamento do sono REM para a primeira metade da noite e do sono de ondas lentas para a segunda metade. Nas depressões, principalmente naquelas com componente de ansiedade, o aumento da latência para o início do sono pode estar associado.
Além disso, há aumento de freqüências rápidas no EEG mesmo durante o sono e, embora de valor inespecífico, pode estar associado à ansiedade, à fibromialgia, ao uso de benzodiazepínicos e à própria condição de hiperalerta.

Diários de sono e actigrafia

Os diários de sono devem ser de fácil preenchimento pela manhã, de preferência logo após o paciente acordar. As informações principais que devem estar contidas em tais diários são:
. horário de ir para a cama;
. latência estimada para o sono;
. despertares durante a noite (se possível, informação adicional sobre dificuldade em voltar a dormir);
. horário de acordar;
. horário de sair da cama;
. consumo de medicamentos, cafeína ou álcool com quantidade e horário;
. horas estimadas de sono;
. presença de cochilos no dia anterior;
. escala analógica visual de qualidade do sono comparada com o sono habitual.

Os diários de sono são, portanto, importantes no diagnóstico longitudinal das insônias e no acompanhamento do tratamento. Para a obtenção da informação mais fidedigna e representativa da realidade de um determinado indivíduo, recomenda-se o preenchimento dos diários do sono por um período mínimo de 15 dias.
A actigrafia não é um método caro e se baseia na monitorização do grau de atividade nas 24 horas do dia. Ela consiste de um sensor, que é colocado no pulso como um relógio que guarda as informações sobre a atividade e o repouso nas 24 horas. Após cerca de 15 dias, os dados armazenados no sensor são descarregados em um computador e analisados por um programa (software), que indica com bom grau de precisão os períodos de vigília e sono para um determinado indivíduo. Pode ser utilizado no caso da não-adesão ao diário do sono, ou como informação complementar para os distúrbios do ciclo vigília-sono.

Insônia no idoso

Foi mencionado anteriormente que a insônia é mais prevalente em pessoas de idade e que ficam inativas durante o dia. Isso ocorre por vários fatores, mas principalmente pela maior freqüência de doenças clínicas, neurológicas e cardiorrespiratórias. Estudos mostram que a remissão do quadro é menos provável com o aumento da idade. Alterações do ritmo circadiano, como achatamento do mesmo, ou seja, tendência maior ao cochilo durante o dia associada à fragmentação do sono noturno, menor exposição à luz durante o dia; confinamento em casa ou em instituições e o medo da morte, bem como noctúria, que nessa faixa etária se deve a várias causas, contribuem de algum modo para todas as outras alterações.
Com a idade, ocorre uma piora da qualidade do sono provocada também pelo aumento de resistência das vias aéreas superiores e da massa corpórea. Diversos estudos mostram que a terapia de reposição hormonal em mulheres no período pós-menopausa causa melhora na qualidade do sono, com diminuição da fragmentação e do ronco. O abuso e a dependência de benzodiazepínicos, os quais também estão associados ao aumento da mortalidade, provavelmente por induzir distúrbios respiratórios do sono, devem ser evitados. Além do mais, os benzodiazepínicos levam à tolerância, não conseguindo sanar o problema a longo prazo.

Tratamento Farmacológico

Evidentemente, antes de tratar sintomaticamente a insônia, deve-se tratar a causa, sempre que possível.
Muitas substâncias têm sido usadas para promover o sono no último século, muitas delas foram abandonadas devido aos seus efeitos colaterais e/ou potencial de produzir dependência química. Desse modo, alguns fitoterápicos têm sido muito populares, desde o início/meio do século, principalmente na Europa, como a valeriana. De fato, os princípios ativos dessa raiz têm sido explorados por companhias farmacêuticas e indicados para insônia de grau leve-moderado. A valeriana é considerada um hipnótico leve e pode melhorar o sono em insones, além de reduzir a latência de sono em normais. A dose pode variar conforme a apresentação: 300mg/dia ou de 50 a 100 mg de extrato de valeriana officinalis L., ou de 160 a 300 mg de ácido valerênico ou de 50 a 100 mg de concentrado de valepotriatos, à noite, próximo da hora natural de dormir.

Benzodiazepínicos (BZDs)

Os benzodiazepínicos (BZDs) têm sido muito utilizados para promover o sono, apesar de não serem a primeira indicação em alguns casos. Eles podem apresentar efeitos sedativo, hipnótico, amnésico, anticonvulsivante e miorrelaxante. Esses efeitos ocorrem em maior ou menor grau, dependendo do tipo de composto BZD ou das diferenças em afinidade e ligação aos diferentes receptores GABA—a BZD, onde atuam. Provavelmente por serem sedativos e em maior ou menor grau ansiolíticos, os BZDs, que não eram primariamente classificados como hipnóticos, foram apontados como os medicamentos mais consumidos para promover o sono em pesquisa na cidade de São Paulo (Poyares e Tufic, 1996). Os BZDs estão indicados para tratar insônia de curta duração ou insônia crônica por um período limitado de tempo, como sugere a maioria das revisões na área. Deve ser feito um planejamento quando se pretende retirar BZDs após o uso crônico, geralmente terapias auxiliares e tamponamento com outros medicamentos são requeridos no processo.
Durante a década de 1990, outros compostos também chamados de “não-BZDs” foram sintetizados, como ciclopirrolonas (zopiclone e suriclone), imidazopiridinas (zolpidem e alpidem), zaleplom e imidazobenzodiazepínicos. O zolpidem e o zaleplom são drogas hipnóticas que alteram menos a estrutura do sono, são bem tolerados e estão muito pouco associados à ocorrência de tolerância e dependência ao uso prolongado, por isso têm sido as drogas de preferência no tratamento da insônia em muitos países. Mais dados são encontrados para o zolpidem, pois ele está no mercado há mais tempo. Uma das diferenças básicas entre esses dois fármacos é principalmente a meia-vida de eliminação, ultracurta para o zaleplom e curta para o zolpidem. Ambos reduzem a latência para o início do sono e o zolpidem pode causar aumento adicional do tempo total de sono, induzindo a sua consolidação. Ambos não apresentam efeitos residuais durante o dia.
Assim como para os benzodiazepínicos, o uso por um período limitado de até 3 a 4 semanas é indicado para o zolpidem e o zaleplom, disponíveis no Brasil, apesar desses últimos apresentarem potencial reduzido de causar dependência e tolerância. Como o zaleplom tem meia-vida de eliminação extremamente curta, ele é indicado para uso em insônia com dificuldade predominante de iniciar o sono (afastando-se o diagnóstico de atraso de fase) ou para ser tomado no meio da noite, caso o problema fundamental seja a manutenção final do sono, uma vez que não apresenta efeitos residuais pela manhã na dose de 10 mg antes de dormir. Zolpidem constitui uma boa alternativa quando se pretende aumentar o tempo total de sono, além de induzi-lo, também é conhecido por ter meia-vida curta e ausência de efeitos no dia seguinte se tomado antes de dormir na dose de 10 mg. Estão disponíveis atualmente na literatura estudos mostrando critérios de utilização desses novos medicamentos, especialmente o zolpidem para uso intermitente e prolongado com bons resultados.
Dentre os vários tipos de receptores GABA-a, o BZD1 ou v1 parece estar mais relacionado ao efeito hipnótico.
O uso prolongado intermitente visa quebrar o ciclo gerado pela busca intensa do paciente pelo sono, o que resulta em hiperalerta e piora da insônia, como mencionado anteriormente.

Antidepressivos (ADs)

Alguns mecanismos têm sido propostos para explicar o efeito sedativo dos ADs, tais como: antagonismo dos receptores histaminérgicos tipo 1 (H1), atividade anticolinérgica ou possível influência nos alfa-adrenoceptores. O efeito sedativo pode sofrer tolerância com a continuação do uso para alguns ADs. Esse efeito tem sido muito explorado no tratamento da insônia, particularmente em pacientes que apresentam sintomas de depressão associados. É importante notar que por vezes o efeito sedativo pode ocorrer em doses muito menores do que as necessárias para o efeito antidepressivo ótimo. Desse moto, tem sido prática comum entre alguns especialistas a prescrição de doses subterapêuticas, com relação à depressão, para tratar o distúrbio do sono. A tabela abaixo mostra alguns dos ADs de acordo com seu efeito sedativo. Entretanto, chamamos a atenção para o efeito colateral de ganho de peso, que por vezes se observa com o uso de alguns ADs sedativos.

EFEITO SEDATIVO DE ALGUNS ANTIDEPRESSIVOS

Sedação mais acentuada: Amitriptilina (dose a partir de 10 mg à noite), Clomipramina, Doxepina, Trazodona (dose a partir de 50 mg à noite), Trimipramina, Mirtazapina (dose a partir de 30 mg à noite).
Sedação mais leve: Amoxapina, Imipramina, Maproptilina, Nefazodona, Nortriptilina, Paroxetina, Venlafaxina.
Pouca ou nenhuma sedação: Bupropiona (não), Desipramina, Fluoxetina (não), Fluvoxamina, Protriptilina, Sertralina, Citalopram.
Para os outros ADs marcados como pouco ou mais sedativo na tabela não existem ainda dados para o uso de doses inferiores àquelas utilizadas para o tratamento da depressão. Desse modo, devem ser utilizados nas doses terapêuticas regulamentadas.

Neurolépticos

Diversas drogas antipsicóticas têm sido utilizadas para produzir sedação. O efeito sedativo é encontrado em alguns neurolépticos e tem particular interesse para tratar pacientes esquizofrênicos que podem apresentar insônia aguda ou para tratar comportamentos de agitação, principalmente noturna. Os neurolépticos mais sedativos são alquilamino fenotiazina e dibenzodiazepina clozapina. Butirofenonas, benzamidas e fenotiazinas piperazinas têm menor efeito sedativo. Em geral, não são prescritos para o tratamento da insônia primária como primeira escolha. Exemplos e doses dos mais sedativos: clorpromazina, pode-se iniciar com a dose de 50 a 100 mg e aumentar se necessário; olanzapina, pode-se iniciar com doses maiores que 5 mg à noite, e aumentar se necessário; clozapina, é menos indicada devido ao potencial de induzir agranulocitose, pode-se iniciar com a dose de 50 a 100 mg à noite, e aumentar se necessário.

Anti-histaminérgicos

Os antagonistas do receptor H1 apresentam efeito sedativo. Medicações anti-histaminérgicas podem induzir sonolência não apenas pelo bloqueio H1, mas também pela ação anticolinérgica e pelo antagonismo de receptores alfa-adrenérgicos. Exemplo desses agentes inclui a prometazina em doses geralmente maiores do que 25 mg, à noite (frequentemente usada para produzir sedação). Os agentes que não atravessam a barreira hematoencefálica produzem menos sedação. Do mesmo modo, não são drogas de primeira escolha para o tratamento da insônia primária.
Em resumo, um hipnótico ideal deve apresentar, entre outras, as seguintes características:
. ausência de efeitos na memória e na cognição;
. rápida absorção;
. ligação específica ao receptor;
. manutenção de um sono fisiológico;
. ausência de efeitos residuais;
. meia-vida ótima;
. ausência de potencial de abuso e de fenômenos de tolerância e dependência;
. ausência de metabólitos ativos;
. ausência de efeito de depressão respiratória;
. ausência de interação com álcool ou outras substâncias depressoras do sistema nervoso central.

Cuidados adicionais devem ser tomados ao prescrever hipnóticos a pacientes idosos:

. se a meia-vida de eliminação for longa, pode causar sonolência excessiva diurna e aumento de risco de acidentes com fraturas;
. potencial em deprimir a respiração, uma vez que os idosos têm menor complacência da musculatura das vias aéreas superiores e podem, desse modo, apresentar apnéia obstrutiva do sono;
. ajuste da dose.

Esses fatos sugerem que os tratamentos não-farmacológicos, como as terapias cognitivas, a restrição de tempo no leito e a fototerapia, sempre devem ser considerados nessa faixa etária.

Tratamento Não-farmacológico da Insônia (Morin, 1996; AASM, 1999; Backhaus ET AL., 2001; Espie, 1993; Kryger ET AL., 2000)

O objetivo dos tratamentos não-farmacológicos da insônia são principalmente modificar os hábitos inadequados com relação ao sono, reduzir o despertar autonômico e cognitivo, alterar crenças e atitudes sobre o sono e educar os pacientes sobre práticas saudáveis para o sono. Serão citadas brevemente as principais modalidades de terapias cognitivas e instruções que já mostraram resultados positivos na literatura, sendo recomendada a associação delas.

Instruções de higiene do sono

Objetivo: incorporar hábitos adequados à promoção do sono.

Instruções de controle de estímulos

Objetivo: eliminação ou substituição de comportamentos que podem prejudicar o sono.

Restrição de sono

Objetivo: encurtar o tempo na cama ao tempo total de sono que o paciente estima ter efetivamente por noite.

Terapia comportamental multicomponente:

1. Terapia cognitiva:
Objetivo: “distrair” e desviar a atenção do paciente para o que lhe impede de dormir. O trabalho é feito no sentido de fazer o paciente lidar com o problema, de modo que ele não lhe pareça uma catástrofe, substituindo conceitos e hábitos disfuncionais por outros mais apropriados.

2. Relaxamento e relaxamento monitorado:
Objetivo: obter o relaxamento condicionado e conseqüente redução do tônus simpático. Esse treinamento pode requerer várias sessões, e é preciso ter em vista que é mais fácil relaxar fisicamente o do que mentalmente.

3. Lidando com pensamentos intrusivos:
Objetivo: atuar no que foi mencionado anteriormente. O paciente com insônia primária apresenta atividade mental intensa, levando à frustração, pois nada pode ser resolvido durante a noite, e tudo piora com a perda do sono.

4. Terapia de grupo para insônia:
Esta é uma nova modalidade de terapia para insônia, que tem se mostrado tão efetiva quando a terapia individual (Morin, 1996; mamber, R., dados não-publicados). Essa abordagem tem sido utilizada na clínica de sono da Universidade de Stanford e tem se mostrado também econômica para os pacientes.

Fototerapia:

A fototerapia com luz brilhante e intensa durante uma hora por dia ou duas vezes ao dia está indicada para consolidar o ciclo vigília-sono no idoso, reduzindo a sonolência diurna e estimulando o início do sono à noite.
A fototerapia está especialmente indicada para os pacientes com doença de Alzheimer, para o tratamento da sintomatologia da sundwon syndrome. É feita pela manhã e/ou à tarde. A intensidade da luz utilizada (mínimo de 2.500 lux) varia em função da distância e do tempo de exposição.
Finalmente, os resultados de trabalhos comparativos mostram que a combinação das terapias é superior a qualquer uma delas isoladamente, sendo a de controle de estímulos a mais efetiva dentre as não-farmacológicas. O tratamento medicamentoso associado ao não-medicamentoso mostrou-se superior a qualquer um dos dois prescritos isoladamente, com a vantagem de que com as terapias cognitivas a manutenção da melhora é mais prolongada e significativamente superior (Morin, 1996).

Um comentário:

  1. Muito obrigada! Me ajudou tirando várias dúvidas e coragem para procurar um especialista. Gratidão!

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Quem sou eu

Nascido no Japão como filho de massagista shiatsu em 1947, imigrado ao Brasil em 1959, residente em Marília/SP/Brazil desde 1997.

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