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quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Psiquiatria: Depressão - Tratamento

Fábio Gomes e Matos e Souza


Critérios Diagnósticos para Depressão

Depressão Maior

Os critérios diagnósticos do DSM-IV para depressão maior são:

1. Cinco ou mais sintomas devem estar presentes por no mínimo duas semanas (pelo menos o humor depressivo ou anedonia devem estar presentes):
. Humor depressivo durante a maior parte do dia (queixa subjetiva e observada pelos outros);
. Diminuição intensa do prazer (anedonia) na maioria das atividades diárias;
. Perda de peso (maior que 5% do peso corpóreo) ou aumento de peso;
. Insônia ou hipersonia;
. Agitação psicomotora ou lentificação;
. Fadiga ou perda de energia;
. Sentimento de inferioridade, de inutilidade ou de culpa excessiva;
. Diminuição da habilidade de concentração, indecisão;
. Idéias recorrentes de suicídio.

2. Os sintomas produzem impacto prejudicando o funcionamento social, ocupacional e relacional do indivíduo.

3. Os sintomas não são ocasionados por uso de drogas ou por outra condição médica.

4. Os sintomas não estão diretamente ligados a um evento de vida importante, como perda de um ente querido.

Depressão Atípica

O DSM-IV define depressão atípica por uma reatividade do humor e por pelo menos duas das seguintes características:

. Ganho de peso significativo ou aumento do apetite;
. Hipersonia;
. Sensação de paralisia relativa e de peso nos braços e/ou pernas;
. Longo padrão de sensibilidade de rejeição interpessoal.

Comorbidade com Doenças Médicas Gerais

Antes de iniciar a terapia com antidepressivos, é necessário investigar a coexistência de distúrbios decorrentes do uso de substâncias bem como outras condições médicas que estão sendo tratadas concomitantemente, para evitar interações medicamentosas indesejáveis. Comorbidade com doenças clínicas, em especial as da tireóide, tem sido frequentemente associada ao quadro depressivo.

Tratamento

O tratamento antidepressivo deve ser entendido de forma globalizada, levando em consideração o ser humano como um todo - incluindo as dimensões biológica, psicológica e social (Stahl, 1998). Portanto, a terapia deve abranger todos esses pontos e utilizar psicofarmacoterapia, mudanças no estilo de vida e terapia farmacológica. Apesar de o enfoque desta revisão se concentrar na psicofarmacoterapia, deve-se mencionar que não se trata a "depressão" de forma abstrata mas, sim, de pacientes deprimidos, contextualizados em seus meios sociais e culturais e compreendidos nas suas dimensões biológica e psicológica.

As intervenções psicoterápicas podem ser de diferentes formatos, como psicoterapia de apoio, psicodinâmica breve, terapia interpessoal, terapia comportamental, terapia cognitiva comportamental de grupo, de casais e de família.

Os antidepressivos produzem, em média, uma melhora de 60 a 70% dos sintomas depressivos no prazo de um mês. Em termos de eficácia parece não haver diferenças significativas entre as várias drogas, o que não significa dizer que todos os pacientes responderão aos diferentes antidepressivos da mesma maneira (Bazire, 2000)

Tratamento de depressão em populações específicas

Depressão puerperal:

O tratamento dos episódios depressivos deve empregar estratégias psicológicas e farmacológicas. Não há dados convincentes sobre que postura adotar em depressão puerperal, razão pela qual ela pode e deve ser tratada de acordo com o perfil depressivo.

Depressão em adolescentes:

O principal problema da interpretação de estudos com antidepressivos em população de adolescentes é a alta taxa de resposta ao placebo ao invés da falha em responder. Dessa maneira, poucos estudos, mesmo considerando suas limitações, têm métodos lógicos demonstrando a superioridade de tricíclicos sobre placebo em depressão maior em crianças.

Depressão em idosos:

Várias metanálises têm confirmado que a eficácia do tratamento antidepressivo no idoso é pouco duradoura e que a cronicidade é o aspecto predominante (Schneider, 1994). Na prática, nenhum antidepressivo individual é melhor para a população idosa. Dentre as medicações que podem ser eficazes e bem toleradas pelos idosos recomendam-se os tricíclicos (natriptilina e desipramina) e os inibidores seletivos de recaptação de serotonina.

A escolha de antidepressivos

A melhor maneira de escolher o antidepressivo seria responder à seguinte pergunta: qual o melhor antidepressivo para quem? A escolha deve ser baseada nas características da depressão, nos efeitos colaterais, no risco de suicídio, em outros distúrbios clínicos, na terapia concomitante, na tolerabilidade, no custo, nos danos cognitivos, etc. Atualmente, as duas classes mais utilizadas para tratar a depressão são os tricíclicos e os inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRSs).

Tipos de antidepressivos

A classificação mais usada tem se baseado no neurotransmissor / receptor envolvido no mecanismo de ação. Dessa maneira, a maioria dos antidepressivos atua nos sistemas noradrenérgico, serotonérgico e dopaminérgico ou em uma combinação destes.

Efeitos Colaterais

Os efeitos colaterais são a principal variável relacionada à não-adesão dos pacientes. Portanto, a redução dos efeitos colaterais é fundamental para o êxito do tratamento. A vantagem dos antidepressivos mais modernos reside fundamentalmente na redução dos efeitos colaterais, já que em termos de eficácia parecem ter resultados semelhantes, embora essa afirmativa esteja sendo questionada.

Os principais efeitos colaterais dos tricíclicos são anticolinérgicos. Efeitos colaterais mais frequentes, como tontura e sedação, alterações cognitivas e comprometimento subclínico da memória, podem ser decorrência dos efeitos anticolinérgicos. As complicações resultantes de bloqueio muscarínico são: boca seca, visão turva, constipação e esforço para urinar.

Perda das funções de ereção e ejaculação no homem e perda da libido e anorgasmia em ambos os sexos são observados principalmente com os ISRSs. Neostigmina na dose de 7,5 mg a 15 mg, tomada 30 minutos antes da relação sexual, tem sido utilizada para aumentar a libido, e a ciproeptadina, 4 mg/dia por via oral, pode reverter a anorgasmia.

Estima-se que a hipomania é uma complicação que atinge de 5 a 20% dos pacientes deprimidos, tratados com antidepressivos (Altshuler et al., 1995).

O ganho de peso é induzido principalmente por antidepressivos tricíclicos, inibidores da monoaminoxidase (IMAO) e lítio.

A indução de convulsão pode ser atribuída a alguns antidepressivos - o risco tem sido discreto (menor do que 1%) e pode se elevar com o aumento da dose.

Os antidepressivos tricíclicos, trazodona e inibidores da MAO usualmente provocam hipotensão ortostática como principal efeito cardiovascular. Esse efeito indesejável pode ser minimizado com o aumento mais lento da dose.

O distúrbio do sono e a ansiedade podem ser exacerbados por fluoxetina em alguns pacientes, assim como a desipramina e a bupropiona podem aumentar a ansiedade.

Esses sintomas adversos podem ser contornados com administração de pequenas doses da droga usada (APA, 1996).

Efeitos colaterais dos antidepressivos disponíveis no Brasil

Efeitos a curto prazo x efeitos a longo prazo.

Diretrizes terapêuticas

Tratamento da fase aguda da depressão maior (tipo unipolar):

O tratamento adequado da depressão requer não somente a melhora ou remissão dos sintomas da fase aguda, mas também evita que os referidos sintomas retornem no período de manutenção (recaída), fase em que a pessoa permanece muito vulnerável. As seguintes variáveis devem ser consideradas para prevenir tal ocorrência:

1. Eliminar as causas contribuintes - causas ambientais, agentes físicos, outras drogas capazes de causar a depressão: excesso de cafeína, etc.
2. Aumentar a dosagem do antidepressivo aos níveis terapêuticos máximos, considerando a resposta e a tolerância do paciente.
3. Doses adequadas, por exemplo, de 150 mg ou mais de tricíclicos, por períodos adequados de tempo. Quatro semanas ou mais são necessárias para um efeito terapêutico adequado. Mesmo assim, 25% não respondem em seis semanas.
4. Se a depressão continua após quatro semanas de dosagem terapêutica adequada, outro antidepressivo deve ser tentado.

Critérios de melhora da depressão

Dois critérios são utilizados para avaliar a melhora do quadro depressivo (Endicott, 1981; Kearns, 1982):

1. Redução de 50% de um escore de avaliação da severidade de depressão: por exemplo, a escala de Hamilton para Depressão.
2. Redução do escore na escala de Hamilton para valores inferiores ou iguais a 7.
Frequência das dosagens

Praticamente todos os antidepressivos podem ser administrados uma vez por dia. Os tricíclicos, apesar de terem meia vida em torno de 24 horas, devido aos efeitos colaterais, são administrados usualmente 2 ou 3 vezes/dia no intuito de diminuir tais efeitos.

Mudança de antidepressivo

A mudança de antidepressivo antes de 3 semanas deve-se à ansiedade da família, do médico, ou de ambos. Os pacientes devem ser orientados para aguardar as três semanas. Um incremento nas sessões psicoterápicas pode ser indicado e, se for necessária, a prescrição de algum ansiolítico, nessas três semanas iniciais. Após quatro semanas, se o antidepressivo não tiver tido o efeito desejado, uma mudança de classe de antidepressivo e/ou potencialização da terapia podem ser experimentadas.

Síndrome de descontinuação ou de retirada

Os pacientes e familiares também devem ser avisados de que os antidepressivos não provocam dependência, embora síndromes de descontinuação possam ser observadas em alguns pacientes. Síndrome de descontinuação ou retirada tem sido mencionada na literatura, incluindo alterações somáticas e gastrintestinais, alterações do sono, distúrbio dos movimentos e hipomania. Sintomas de descontinuação normalmente aparecem de um a quatorze dias após o fim do tratamento e melhoram em uma semana. A síndrome de descontinuação não deve ser confundida com recorrência de depressão, que começa em média de três a quinze semanas após o término de utilização do antidepressivo e continua a piorar. Sintomas de retirada podem ocorrer com dosagens não tomadas. O tratamento dos sintomas de descontinuação inclue: reinstalação de baixas doses do antidepressivo, uso de anticolinérgicos para alívio sintomático ou simplesmente o ato de esperar uma ou duas semanas (APA, 1993).

Tratamento de manutenção da depressão unipolar

O tratamento antidepressivo é dividido nas seguintes fases: aguda (remissão dos sintomas), continuação (até seis meses) e preventiva (após seis meses). A piora, se houver, dos sintomas no período de continuação chama-se de recaída por se tratar de um agravamento do episódio depressivo em curso; se a piora ocorrer no período preventivo, chama-se de recorrência, pois este é considerado outro episódio depressivo.

As doses de continuação devem ser as mesmas ou próximas às doses terapêuticas da fase aguda. Em pacientes idosos, pode ser necessária a terapia de continuação até dois anos após a melhora. Se o tratamento for inadequado, ou interrompido precocemente, poderão ocorrer recaídas em até 50% dos casos.

A Associação Psiquiátrica Americana sugere a continuação do tratamento antidepressivo por pelo menos dezesseis a vinte semanas, com doses eficazes após a melhora ou remissão completa dos sintomas (APA, 1993). A Organização Mundial de Saúde sugere seis meses ou mais após a melhora (Montgomery, 1994). Se não forem tratadas adequadamente, entre 50 e 85% das pessoas em um episódio de depressão aguda terão um futuro episódio, usualmente dentro de dois a três anos. Pacientes com episódio prévio de depressão apresentam um risco 10 vezes maior de recorrência de depressão em relação aos indivíduos que não apresentam nenhum episódio prévio de depressão.

Se o episódio anterior ocorreu há menos de dois anos e meio, pode ser necessário um tratamento por pelo menos cinco anos (APA, 1996). Alguns grupos recomendam que a duração do tratamento do primeiro episódio seja de doze meses após a melhora, o segundo episódio, de dois a três anos, e o terceiro episódio, de cinco anos ou mais.

Essas recomendações devem ser levadas em consideração, mas também se deve avaliar a intensidade e a frequência dos episódios de depressão atual e anterior(es) antes de tomar uma decisão sobre o tempo de terapia. Assim, o primeiro episódio de um paciente com tentativa de suicídio deve ter um acompanhamento posterior maior e mais bem monitorado do que o de outro paciente com sintomas leves no primeiro episódio, mas sem risco de vida. Do mesmo modo que um paciente com o primeiro episódio aos vinte anos, o segundo, aos 21, e, no momento, aos 22 anos, apresenta o terceiro, necessitaria de um tratamento profilático mais intenso se comparado a outro paciente com um episódio aos 20 anos, outro aos 30 anos, e, agora, aos 40 anos, apresenta o terceiro episódio.

A interrupção da Terapia Antidepressiva

O paciente deve estar a par dos riscos envolvidos. Se ainda assim a descontinuação é processada, seria apropriado reduzir as doses lentamente por um período mínimo de quatro semanas para avaliar se está ocorrendo recaída.

Os níveis de descontinuação dos ISRSs são menores (10%) quando comparados aos dos tricíclicos (20%).

Tratamento da depressão bipolar

As taxas de indução de mania relatadas com os inibidores seletivos de recaptação de serotonina parecem ser menores que as taxas relatadas com os tricíclicos, e podem, portanto, ser uma opção terapêutica adequada no tratamento da depressão em um paciente com distúrbio bipolar.

Há poucos estudos controlados para guiar especificamente a depressão bipolar; e vários trabalhos sugerem que IMAOs podem ser mais eficazes do que os tricíclicos. Já a literatura sugere que o lítio pode ser um antidepressivo eficaz.

Tratamento da depressão maior com características psicóticas

Está claro que os tricíclicos por eles mesmos não são eficazes em depressão com características psicóticas, o que torna a associação com antipsicóticos necessária.

Tratamento de distimia

De forma geral tem havido poucos estudos sobre o tratamento da distimia. A maioria dos agentes antidepressivos é eficaz em pacientes distímicos, embora as doses possam ser maiores do que para o tratamento da depressão maior.

Tratamento da depressão resistente

A OMS (Organização Mundial da Saúde), em 1974, subdividiu depressão resistente em absoluta e relativa. A absoluta foi definida como falta de resposta a antidepressivo, como a imipramina na dose de 150 mg ao dia ou equivalente, por um período de quatro semanas, e a depressão resistente relativa referia-se a paciente que não respondiam a um tratamento antidepressivo inadequado (Heimann, 1974).

De 30 a 80% dos pacientes deprimidos podem ter recebido doses inadequadas de antidepressivo, e destes, 50% podem responder simplesmente com o aumento da dose. Entretanto, para que haja melhora na depressão resistente verdadeira, é necessário um enfoque sistemático. Se a droga utilizada for um tricíclico:
- usar doses mais altas até 300 mg ou até a tolerância do paciente;
- verificar os níveis de séricos (300 a 400 mg/L);
- se uma outra classe de antidepressivo tiver sido usada, verificar se foi usada em suas doses máximas; e
- usar combinações lógicas de antidepressivos (lítio e tricíclico), mas evitar carbamazepina com tricíclicos porque os níveis sanguíneos dos antidepressivos são reduzidos.

Anticonvulsivantes, como a carbamazepina e valproato, têm sido usados em depressão resistente bipolar e unipolar.

Potencialização da Terapia Antidepressiva

Duas estratégias têm sido bastante utilizadas na potencialização da terapia antidepressiva. A primeira é com o lítio e a segunda, com agentes tireoidianos.

Os mecanismos pelos quais o hormônio da tireóide pode aumentar a atividade antidepressiva são desconhecidos. O hormônio da tireóide aumenta a atividade de vários neurotransmissores envolvidos na patofisiologia da depressão similarmente aos dos estrógenos.

Tratamento hospitalar: critérios de internação para o indivíduo com depressão

A hospitalização é indicada nas seguintes situações: quando há um evidente risco de suicídio; quando falta ao paciente apoio psicossocial; quando há abuso de substância grave ou o paciente não coopera com o tratamento (APA, 1996).

Risco de suicídio

Deve-se pesar o sigilo que o paciente suicida às vezes solicita do médico e/ou da equipe terapêutica versus o compromisso com a vida que o médico e a equipe devem ter. Há respaldo ético para privilegiar a vida em detrimento do sigilo. A ECT (EletroConvulsoTerapia) é uma opção importante, pois os antidepressivos levam em torno de quatro semanas para atingir um efeito terapêutico adequado. A vigilância e o apoio familiar e social deverão ser enfatizados, se a internação em um hospital não for possível.

Perda da eficácia dos antidepressivos

A perda da eficácia durante o tratamento antidepressivo de manutenção tem sido relatada entre 9 e 33% dos pacientes (Bazire, 2000). As razões podem incluir: falta de adesão, perda da resposta ao placebo inicial, perda do efeito da droga, tolerância farmacológica, mudança na patologia da doença, cicladores rápidos e perda da eficácia profilática.

Estratégias para superar esse problema incluem: aumento da dose, diminuição da dose de modo que fique dentro da janela terapêutica, adição de bromocriptina, potencialização por estabilizadores do humor e anticonvulsivantes, uso de hormônios tireoidianos, mudança para uma classe diferente de drogas e verificar a adesão (Bazire, 2000).

Fatores clínicos que influenciam o tratamento

O tratamento antidepressivo torna-se mais complicado quando são observados: risco de suicídio; melancolia; severidade; episódios recorrentes; mania ou hipomania prévia; depressão com características psicóticas; depressão com características catatônicas; depressão com características atípicas; dependência de álcool ou abuso de substâncias; depressão com pânico e outros distúrbios de ansiedade; depressão pós-psicótica; depressão durante a gravidez ou após o parto; e depressão superposta a distúrbios de personalidade (Bazire, 2000).

Conclusão

O antidepressivo ideal deveria ser eficaz em todas as formas de depressão, até as mais severas, não ter qualquer efeito colateral, ter baixo custo, poucas interações medicamentosas, poder ser aplicado em todas as idades, melhorar a qualidade do sono, sem distúrbios colaterais, ter posologia fácil e efeito ansiolítico. Obviamente, essa droga ainda não existe de modo que decidir o que prescrever ou não prescrever para qual paciente, por enquanto, é uma questão absolutamente essencial na prática psiquiátrica.

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Quem sou eu

Nascido no Japão como filho de massagista shiatsu em 1947, imigrado ao Brasil em 1959, residente em Marília/SP/Brazil desde 1997.

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