Assuntos relacionados à saúde em geral, medicina ocidental, oriental, alternativa, trechos de livros e revistas.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

ENDORFINAS - PARTE 1

Jack Lawson

ENDORFINAS E ENCEFALINAS
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Pesquisar uma solução para o problema da dor sempre foi uma das preocupações essenciais dos profissionais da saúde. Trata-se de algo lógico e razoável, pois muitos pacientes queixam-se, precisamente, de como é insuportável a dor que os acomete quando são vítimas de certo tipo de doenças. A dor e os problemas a ela associados, com sua eliminação ou diminuição, sempre despertaram o interesse não só de médicos e curandeiros, como também de magos, bruxas e sacerdotes. Parece haver algo neste assunto que lhe confere um sentido quase religioso: flagelações, expiação dos pecados através da dor, etc.Desde a mais remota antiguidade, o ser humano tem apelado a toda sorte de métodos para combater a dor, desde o supersticioso amuleto até os princípios ativos contidos em raízes e plantas medicinais. Também já foram utilizados cogumelos, fogo, água ou barro. Porém, desde seu descobrimento, o emprego de alcalóides e, mais concretamente, dos derivados do ópio, têm sido o principal recurso em virtude de seus indiscutíveis resultados. No entanto, logo se observou que o consumo deste tipo de produtos acarretava dois graves problemas: a dependência e os efeitos colaterais. Mesmo assim, na atualidade, os derivados do ópio continuam sendo as drogas mais eficientes na hora de combater a dor. De um modo paralelo à utilização dos diversos alcalóides e derivados do ópio, a ciência tem consagrado grandes esforços ao estudo do funcionamento e dos mecanismos de ação, a nível molecular, destes produtos narcóticos. Comprovou-se que alguns dos alcalóides existentes nas plantas equivalem funcionalmente, e ainda, são capazes de substituir moléculas pertencentes a tecidos animais. A partir deste fato, deduziu-se que seria conveniente buscar em ditos tecidos, quais eram as moléculas que correspondiam à morfina ou a seus derivados opiáceos. Assim, descobriu-se que existe uma correspondência entre a Muscarina (vegetal) e a Acetilcolina (animal), Efedrina (vegetal) e a Noradrenalina (animal) e a Morfina (vegetal) e os Peptídeos (animais).

Dada a extrema complexidade do sistema nervoso central, é evidente que o estabelecimento destas correspondências levou anos de trabalho, durante os quais, foi preciso superar um grande número de dificuldades. No ano 1972, Akil descobriu que estimulando eletricamente o periaqueduto cinza do cérebro de um animal, produzia-se um efeito analgésico. Este efeito analgésico era eliminado com Naxolona, uma substância que funciona como antagonista da Morfina. Este descobrimento contribuiu para confirmar a existência, já intuída, de um produto ou produtos sintetizados pelo organismo animal e com características semelhantes às dos opiáceos. Tentando tornar a coisa mais simples, confirmou-se que existia uma "morfina" interna produzida pelo animal, capaz de atuar sobre seu próprio organismo.

Não obstante, as pesquisas sobre este tema foram impulsionadas em 1975, quando John Hugues conseguiu isolar do cérebro de um porco dois pentapeptídeos que possuíam praticamente a mesma atividade opiácea que a morfina, e aos quais, denominou Leucin-Encefalina e Metionin-Encefalina. Inicialmente, acreditou-se que as encefalinas poderiam substituir rapidamente o ópio e seus derivados, mas logo se descobriu que seu tempo de atuação era muito menor que o período de analgesia dos opiáceos clássicos. Em consequência, ficou descartada a possibilidade de serem utilizadas com finalidades clínicas. Mesmo assim, as endorfinas são algo mais que analgésicos, são um sistema químico definido que atua dentro de toda a estrutura cerebral.

Um dos aspectos que mais interesse suscitou desde o descobrimento das encefalinas, foi o estudo de seus mecanismos de atuação. Parece que estas substâncias agem como neuro-moduladores, modificando a transmissão da informação de uma célula nervosa para outra, nas sinapses.

Nas membranas celulares existem uns receptores específicos, onde as encefalinas fixam-se como se fossem uma chave que introduzimos na fechadura. Quando se encaixam nestes receptáculos, depolarizam parcialmente as membranas celulares com as quais o impulso nervoso transmitido, que é proporcional à polarização da membrana, sofre uma diminuição.

Estes receptores a que fizemos referência são de vários modelos, como se estivessem adaptados aos diversos tipos de opiáceos. Além disso, estão distribuídos de modo desigual nos diferentes órgãos do corpo humano.
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AS ENDORFINAS E A CURA
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Um dos temas mais discutidos no campo da medicina moderna é o da cura. Quem cura realmente, o corpo ou o fármaco administrado pelo médico? A resposta a esta pergunta varia de acordo com as escolas e conforme os médicos. Seria ilusório acreditar que nosso organismo é capaz de curar por si próprio todas as doenças; equivaleria dizer que, ao menos potencialmente, somos imortais. Por outro lado, resulta altamente pretensioso imaginar que nossa Medicina é capaz de curar todos os males e, principalmente, que somente ela cura.

Sem dúvida, a resposta encontra-se, como quase sempre, na metade do caminho. É nosso corpo que nos cura quando sintetiza as substâncias necessárias, mas em muitas ocasiões um agente externo pode ajudar neste processo. Considerando o assunto com certa amplitude, compreenderemos que este agente externo tanto pode ser um medicamento alopático, como um homeopático ou uma planta medicinal. Os diversos sistemas terapêuticos são, todos eles, muito efetivos. No entanto, muitas vezes o médico comete um erro no seu diagnóstico. Nem sempre se torna fácil detectar, com precisão, qual é a doença causadora dos sintomas que avaliamos, quando na maioria dos casos, em um organismo doente ocorrem várias doenças ao mesmo tempo.

Ainda assim, cada dia vigora mais aquele velho provérbio chinês que afirma "matar o ladrão não fecha a porta". Dito de outro modo, muitos especialistas opinam que o ideal não é dedicar-se a mata vírus e bactérias, de forma descontrolada, mas conseguir manter em ótimo estado os mecanismos imunológicos do organismo. O conceito de saúde cada dia tem menos a ver com uma guerra sem quartel contra bactérias e germes nocivos. Atualmente, está mais relacionado com o conceito de imunidade.

Os primeiros pesquisadores que estudaram o tema das endorfinas puderam constatar que existia uma íntima relação entre elas e o sistema imunológico. Esta característica, a qual inicialmente não se deu muito valor, acabou adquirindo, desde a aparição da AIDS, grande importância. Poderia-se encontrar, talvez, nas endorfinas a solução para este flagelo do século XX? É difícil responde, tanto de forma afirmativa como negativa a esta pergunta, no estado atual em que se encontram os conhecimentos. Mas, é inegável que qualquer tipo de tratamento será favorecido, se nosso corpo for capaz de fabricar endorfinas com normalidade.

Para compreender as relações existentes entre as endorfinas e o sistema imunológico, devemos lembrar-nos que o mais importante fluxo de hormônios, segregado no organismo, tem origem no hipotálamo. Esta corrente hormonal irriga a glândula pituitária, a qual estimula a produção de diversos hormônios que, logo após, se encaminharão a diferentes pontos do corpo por meio do sistema circulatório. Trata-se de um processo contínuo, imprescindível para a manutenção da saúde. Estudando este processo, o doutor Choh Hao Li, da Universidade da Califórnia, descobriu que estava intimamente relacionado com uma endorfina, sem dúvida a mais conhecida, a chamada Endorfina-Beta. Partindo deste descobrimento, o doutor Li realizou outros de igual ou maior importância, como o do hormônio da família das endorfinas que, desbloqueando signos imunizadores permanentes, contribui de forma extraordinária para a manutenção da saúde. Este hormônio imunizador é produzido em situações de stress, graças a ele, poderemos reagir em situações limite como normalmente não o faríamos.

A imunidade geral, ou seja, o conjunto das defesas do organismo, beneficia-se do fluxo correto de endorfinas.

O sistema de imunidade serve para combater todo tipo de infecções, desde as simples gripes até as doenças venéreas ou a AIDS. Também desempenha um importante papel na luta contra o câncer, inclusive antes de que este se manifeste. Todos temos em nosso corpo um elevado número de células, potencialmente cancerígenas, que nosso sistema imunizador encarrega-se de vigiar e eliminar. Quando este último começa a falhar, estas células reagem com virulência e provocam a aparição da doença. Assim, quando nosso sistema imunizador não responde corretamente e não pode defender-nos dos ataques malignos, aparecem as doenças que, potencialmente, já estavam em nós. De fato, não é o vírus o principal causador da doença, mas nossa incapacidade de defender-nos dele.

Embora não se possa dizer: imunidade - endorfinas, ambas estão muito ligadas. Por esta razão, seguiremos falando da imunidade e de como esta vai diminuindo em nosso organismo. Um caso típico é o das pessoas que, Por causa de uma operação importante ou de um transplante, foram obrigadas a tomar medicamentos imunodepressores para evitar a rejeição. Já se comprovou, por meio de estatísticas, que são pessoas mais propensas a contrair câncer. Não é que este tipo de medicamento seja cancerígeno, mas acontece que as defesas diminuem consideravelmente e o organismo não é capaz de eliminar as células cancerígenas como o fazia anteriormente.

Também foi constatado, em diversos hospitais, que pacientes que vinham sendo submetidos a um tratamento com fármacos imunodepressores, recuperavam "espontaneamente" a saúde ou evoluíam de forma mais positiva quando deixavam de tomar estes remédios. São conhecidos casos de pacientes que, além de câncer, sofriam de outras infecções graves e se curaram. É difícil garantir que a reação produzida pela infecção, no sistema imunológico, seja a causadora da cura do câncer, mas o assunto não deixa de ser curioso.
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O EFEITO PLACEBO E AS ENDORFINAS
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Na história do tratamento da dor sempre foram destaque os casos de doentes que conseguiram suprimi-la, parcial ou totalmente, ingerindo produtos inócuos. Trata-se de um fenômeno conhecido como efeito placebo. O significado desta palavra em latim é "agradarei", "comprazerei". Embora este nome não existisse até o século passado, sabe-se que os gregos já conheciam o efeito placebo.

É bastante provável que algumas das misteriosas poções ministradas na Idade Média, por bruxos e curandeiros a seus pacientes, tivessem muito a ver com o efeito placebo.

Segundo o Dr. Herbert Benso, da Escola de Medicina da Universidade de Harvard, "em muitas ocasiões o efeito placebo melhora o estado do doente e por isso mesmo é um aspecto essencial em Medicina".

Frequentemente, em especial nos casos extremos, os médicos acham que não podem continuar ministrando sedativos a seus pacientes ou, simplesmente, que os doentes não reagem mais a determinado tipo de medicamento. Neste caso, apelam para outras substâncias que apesar de não serem calmantes, alcançam estes mesmos efeitos no paciente. Um simples comprimido de açúcar ou uma injeção de soro podem ser suficientes para produzir o efeito desejado.

Durante muitos anos, o corpo médico não levou em conta o efeito placebo, mas na atualidade, tem sido necessário admitir as evidências. Não se trata, como se acreditava, de algo puramente psicológico, mas sim, de um efeito real, comprovado por milhares de médicos em centenas de hospitais e clínicas. Que uma simples aspirina possa acalmar dores nas quais a morfina já não dá resultado, não depende obviamente da aspirina, mas de algo que se encontra no interior do doente.

A primeira opinião foi que se tratava de auto-sugestão ou de algum tipo de perturbação psicológica, causada pela dor que o paciente teve que suportar. Mas, apesar de tudo, este estranho fenômeno era desconcertante; entretanto, em consequência do descobrimento das endorfinas, veremos como é possível compreender melhor o efeito placebo.

O Dr. Levine, em um artigo que apareceu em The Lancet intitulado "O placebo e o mecanismo da analgesia", publicou os resultados de suas investigações sobre a relação existente entre as endorfinas e o efeito placebo. Este médico utilizou em seus experimentos paciente que sofriam de dores, especialmente fortes, nos dentes. Dividiu as pessoas em dois grupos e proporcionou, a um deles, placebo para acalmar as dores. Seus pacientes conseguiram um considerável alívio nas dores. Porém, quando foi ministrada naxolona, um antagonista típico da morfina, o efeito placebo desapareceu e os pacientes voltaram a ter dor de dentes.

Assim, foi possível demonstrar que o efeito placebo não era uma questão psicológica e que, de alguma maneira, o cérebro do paciente tinha segregado uma substância de características semelhantes a morfina.

Também realizou-se o experimento oposto, antes de ministrar o placebo, injetou-se naxolona nos doentes e ficou comprovado que o placebo não fazia nenhum efeito.

É admissível, então, perguntar-nos o que dá lugar ao efeito placebo e qual o papel que exercem as endorfinas neste caso. Verificou-se, através da prática, que existe uma estreita relação entre o efeito placebo e a confiança que o doente tem no médico e na medicação. Evidentemente, esta confiança está vinculada à memória. Em última instância, é uma questão psicológica, mas nem por isso deixa de ser real. Com certeza, trata-se de algo muito complexo e individualizado, mas fica claro que as endorfinas desempenham um papel essencial no efeito placebo. Também comprovou-se que os placebos amargos apresentam melhores resultados; as pessoas acreditam que gosto ruim é gosto e de remédio e, se é remédio, cura.

Quando um paciente está convencido de que um determinado medicamento lhe fará bem, provavelmente será assim, ainda eu isto seja uma aberração do ponto de vista farmacológico. Todavia, é por esta razão que inócuos comprimidos de açúcar, soro fisiológico ou água colorida ministrados pelo médico para contentar um paciente, tenham, com frequência, um êxito inexplicável.

Hoje em dia, é um fato demonstrado que ao menos 35% dos doentes de câncer acalmam suas dores com placebo.
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A cura pela fé
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Não é necessário ir a Lourdes para ouvir falar de curas pela fé. Na França, existe um movimento do qual participam milhares de pessoas que se dedicam a curar seus semelhantes através da fé. São pacientes desenganados ou que por algum motivo a Medicina alopática abandonou e procuram, especialmente nestes casos, este movimento animado por Maggie Lebrun. Já foi possível registrar grande número de curas, muitas delas totalmente milagrosa. O livro da Sra. Lebrun Médicos do Céu, Médicos da Terra é um verdadeiro best-seller que já vendeu cerca de 150.000 exemplares.

As chamadas curas pela fé, são na maioria dos casos, de origem psicossomática. Muitas vezes o curandeiro somente limita-se a inspirar a fé necessária. É sabido que os estados emocionais modificam a produção de hormônios e até mesmo os campos elétricos. Os casos de curas pela fé caracterizam-se, precisamente, por estados emocionais fora do normal. Sem dúvida, o que realmente acontece em muitos destes processos, é que o cérebro segrega maior quantidade de endorfinas que habitualmente e o organismo inteiro reagem como se fosse uma situação de emergência.
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Bruxos e mártires
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A história deixou-nos muitas narrativas de bruxos e bruxas que foram queimados na fogueira e não se queixaram de nenhuma dor. No mesmo modo, as biografias nos trazem à memória o caso de mártires que não pareciam sentir dores ao serem jogados aos leões. Para muitos autores, estes aparentes milagres novamente seriam explicados pela auto-sugestão, mas, na realidade, o ocorrido não foi exatamente um fenômeno de auto-sugestão.

Persuadidos pela fé e a convicção total de que este tipo de morte os conduziria diretamente ao paraíso, não duvidavam em entregar-se às feras sem reclamar.

É fato sabido e comprovado, através de grande número de experiências, que a ansiedade aumenta o sofrimento. Constatou-se que a simples palavra "dor" aumenta a capacidade de sofrimento. Em consequência, um estado de ânimo contrário à ansiedade contribuirá para a diminuição da dor. O estado de beatitude mística em que se encontravam muitos dos mártires, certamente ajudou seus cérebros a segregarem uma quantidade de endorfinas maior que a normal. Não nos resta a menor dúvida de que não mentiram: morrendo assim, entravam no paraíso.
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AS ENDORFINAS E O STRESS
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Desde que o ser humano existe, a vida está cheia de stress e este pode manifestar-se de muitas maneiras. Para o homem das cavernas era a luta implacável contra os elementos, a obtenção de alimento e de fogo, e ainda, a conservação da espécie com tudo o que ela implica: defesa de um meio hostil, pragas e doenças, inclemências do tempo, etc.

Para o homem moderno, a situação não se modificou substancialmente. Como seus ancestrais deve vestir-se e alimentar-se, defender-se das doenças e satisfazer suas necessidades mais elementares. No entanto, graças ao que se convencionou em chamar de "civilização", muitas de suas prioridades variaram, consideravelmente, se comparadas as do homem das cavernas. Todavia, apareceram novas necessidades, mais sutis, mais elaboradas, geradoras de outro tipo de stress.

Tudo aquilo que nos impede "fluir" de um modo espontâneo e natural, provoca-nos uma reação, então, somos obrigados a enfrentar o fato e adaptar-nos; é o stress. Qualquer mudança importante em nossa rotina diária é geradora de stress. A felicidade depende de nossa capacidade de enfrentar e superar estas situações.

O stress pode definir-se como um conjunto de fatores e atitudes que submetem o corpo e a mente a uma verdadeira erosão. Quando este desgaste prolonga-se, pode desencadear uma série de processos neurofisiológicos que levarão o indivíduo a padecer de uma doença psicossomática. Na Idade Média, os homens morriam por causa das terríveis epidemias que dizimavam a população. Atualmente, lado a lado com os acidentes de trânsito, as doenças degenerativas como câncer, infarto, arteriosclerose, etc., são as responsáveis pelo maior número de mortes. A influência do stress em todas elas é, hoje em dia, algo evidente.

Entre os fatores mais estressantes encontram-se os de natureza emotiva. Na lista oferecida neste capítulo, veremos como, para o homem norte-americano, aquilo que causa mais stress é ter que encarar uma situação de divórcio. Também a perda de um ser querido e, até mesmo, a perda do emprego, provocam um elevado índice de stress. Assumir um crédito ou uma hipoteca são outras situações que geram stress.

É evidente que estas avaliações não são absolutas e que cada indivíduo reagirá a seu modo, de acordo com sua personalidade e conforme sua maneira de pensar. Mas existe algo que merece ser enfatizado. Apesar do stress físico, o stress é de ordem essencialmente psicológica.

Qualquer situação emocional que entre em conflito com a estrutura e a "montagem" do nosso ego, provocará stress. A reação ao stress, a capacidade de adaptação às situações agradáveis e desagradáveis nesta vida dependem do grau de "inchação" em que se encontra nosso "ego". Em consequência, a humildade alcançada depois de haver sofrido ou depois de seguir um mestre espiritual é, em muitos casos, uma verdadeira medicina preventiva contra o stress. Nossa capacidade para entender as motivações dos outros e para adaptar-nos em vez de lutar, torna-se maior. À medida que o ser humano eleva-se espiritualmente, à medida que evolui sua habilidade para ser mais flexível, compreender e perdoar, vai crescendo de modo paralelo.

Uma simples imagem nos dará uma idéia clara de qual é a situação do "ego" nesta aventura. Imaginemos que somos um maravilhoso automóvel, um verdadeiro bólido que nunca se lançou a experimentar grandes velocidades. De repente, por uma razão ou outra, nos aventuramos na estrada da vida e começamos a pisar o acelerador até o fundo, estamos iniciando uma busca espiritual ou entramos num caminho. Pouco importa, principalmente no início, qual é o rumo escolhido. O que realmente interessa é que, de modo mais ou menos consciente, decidimos abandonar os caminhos trilhados. Mas, à medida que aumenta a velocidade, nossa carroçaria gera mais atrito porque seu formato não é muito aerodinâmico.

Nesta história, o "ego" é a carroçaria, o atrito é o stress e o desgaste que este vai ocasionando na lataria do carro marca a nossa evolução. Com o tempo e a velocidade, veremos como a carroçaria vai modificando-se com relação a sua forma inicial, assumindo um novo aspecto, mais aerodinâmico e mais adaptado a sua nova vida. Assim, no caminho espiritual, o "ego" vai polindo suas arestas e, à medida que avança, seus limites de tolerância aumentam e a produção de stress diminui.

Temos a impressão de que o mundo moderno está acelerado. Nada permanece, tudo muda; e esta troca constante parece ser a fonte mais comum de stress. Até mesmo acontecimentos que, à primeira vista, são aparentemente normais, com frequência, tornam-se motivo de stress. O casamento, a gravidez, uma mudança de emprego ou de colégio são fatores de stress. Na lista abaixo temos oportunidade de ver algumas das causas mais comuns. Quando estes fatos acontecem ao mesmo tempo ou sem rápida sucessão, o mecanismo de adaptação física e mental do indivíduo sofre uma pressão excessiva, então, o nível de stress aumenta.

Em períodos de instabilidade ou recessão econômica, é normal que os níveis de stress agravam-se bastante. Este agravamento costuma chegar acompanhado do aumento paralelo de doenças psicossomáticas como infartos, úlceras do estômago, impotência, insônia, dermatites ou perda de peso.

Além do aparecimento destas doenças de caráter psicossomático, também há mudanças no temperamento. O indivíduo pode tornar-se taciturno e perder a vontade de viver e lutar.

O tratamento do stress geralmente é à base de calmantes ou estimulantes, mas seus efeitos secundários podem causar ainda mais stress. A única maneira de compensar este problema, em vez de combatê-lo, consiste em ajudar o corpo a segregar normalmente as endorfinas necessárias.
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LISTA DE ACONTECIMENTOS E SEU GRAU DE STRESS
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Morte do cônjuge: 100
Divórcio: 73
Rompimento de relações ou separação: 65
Prisão: 63
Morte de um parente próximo: 63
Acidente ou doença, graves: 63
Casamento: 50
Perda de emprego: 49
Aposentadoria: 45
Gravidez: 40
Problemas sexuais: 39
Mudança de situação financeira: 38
Falecimento de um amigo: 37
Hipoteca ou crédito superior a $5.000: 31
Mudança de emprego: 30
Abandono do lar por parte de um filho: 29
Problemas legais:29
Êxito pessoal importante:28
Início ou abandono da escola: 26
Revisão de hábitos pessoais: 24
Problemas com o chefe: 23
Mudança de horário no trabalho: 22
Mudança de condições de trabalho: 22
Mudança de residência: 20
Mudança de colégio: 20
Mudança de atividades religiosas: 19
Mudança de atividades sociais: 18
Hipoteca ou crédito inferior a $5.000: 17
Mudança nos hábitos alimentares: 15
Nascimentos: 12
Multa de trânsito de pouca quantia: 11
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O STRESS POSITIVO
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Em sua obra Stress without distress (stress sem aflição ou perigo), o doutor Hans Seyle distingue dois tipos de stress: o stress positivo e o stress negativo. Existe a tendência, generalizada entre as pessoas leigas, de considerar stress como algo extremamente negativo, como uma verdadeira situação de crise na vida. Tudo o que se torna prejudicial para nós seria atribuído ao stress: depressão, frustração, infarto, mau humor, etc., e realmente, é verdade, mas trata-se do que o doutor Hans Seyle chama de stress negativo.

Quando estamos dominados por ele, os acontecimentos pairam sobre nós bloqueando nossa capacidade de resposta, nossa capacidade de felicidade. Este tipo de stress, muito difundido na atualidade, é o responsável mais ou menos direto por doenças como os infartos, as úlceras de estômago e todo tipo de dermatites e artrites.

Porém, em nossa vida diária, deparamo-nos, inevitavelmente, com situações que causam stress muitas vezes este não é tão prejudicial. Tomar uma decisão, fazer fila para entrar no cinema ou, simplesmente, dirigir o carro na cidade, são circunstâncias que geram stress, mas de modo geral, não parecem nos preocupar muito. Podemos até mesmo considerar que o stress é interessante, estimulante.

Um dos princípios básicos do tema das endorfinas é que frente a uma situação de stress são segregadas endorfinas destinadas a diminuir a tensão produzida. Se o fluxo de endorfinas é constante e adequado ao stress gerado, este se torna estimulante: é o stress positivo, que adentram nossa capacidade normal de adaptação e cria em nosso organismo uma resposta no sistema nervoso vegetativo que nos estimula e tonifica. Por outro lado, as endorfinas cuja secreção estimula, produzem o efeito contrário: são relaxantes e aprazíveis.

O stress negativo, pelo contrário, faz com que nos sintamos sobrecarregados além das nossas forças; é a estafa. Nesta circunstância extrema, parece que as endorfinas têm dificuldade em corresponder a situação e, aparentemente, falham. Talvez tentamos ir além de nossos limites naturais. Qualquer professor de Ioga sabe que nunca devemos forçar a postura. Não se trata de que o principiante realize suas assanas (cada uma das posturas que fazem parte do lado prático do sistema Ioga) de modo perfeito, até porque a palavra tem o significado de "postura confortável". Mas, considerando a questão do ponto de vista das endorfinas, o importante é que nosso corpo coloque-se numa situação limite, que exija tensão suficiente como para reagir segregando endorfinas, sem gerar stress negativo.

Outras técnicas orientais como o Tai-Chi baseiam-se nos mesmos princípios. Podemos observar em todas elas um profundo respeito para com a relação corpo-mente. Nunca devemos abusar, pois isto nos impede de obter as endorfinas que somos capazes de produzir através da prática de exercícios.

Não obstante, o stress negativo pode chegar a dar-nos muito prazer; nos encontramos, então, perante uma situação muito perigosa, próxima à "curtição" do drogado.

As grandes multinacionais, que tiram proveito de seus executivos exigindo a cada dia maiores resultados, não fazem mais do que drogá-los à base de suas próprias endorfinas, para "jogá-los no lixo", ou seja, demiti-los quando já não são úteis. Depois, o que lhes resta fazer é aceitar o desemprego ou m cargo mais modesto.

Contrariamente ao que poderíamos pensar, graças a poderosa capacidade bioquímica das endorfinas, o stress transforma-se em algo gratificante para o organismo que o vivencia como algo positivo. Quando conseguimos suportar os desafios que a vida nos propõe e notamos que o perigo nos excita, vivemos um estado de stress positivo, estamos eufóricos. Neste estado somos capazes de adotar um comportamento, marcado por nossa capacidade de adaptação, que nos permite triunfar, crescer, aprender e usufruir de acordo com a nossa vontade.

Se estamos deprimidos, certas atividades tornam-se difíceis e complicadas, transformando-se, como por encanto, em algo muito excitante quando estamos submetidos ao stress positivo. Neste caso, nosso trabalho, nosso esporte favorito, os problemas cotidianos, tudo nos dá prazer. As motivações aumentaram milagrosamente graças a um benéfico fluxo de substâncias bioquímicas cerebrais e nossa capacidade de adaptação consolidou-se. A partir deste momento, tornamo-nos lutadores e tanto o trabalho duro como as situações difíceis serão estimulantes.

Enquanto não formos além das nossas forças, o stress positivo será uma fonte de endorfinas que circularão de forma constante por nosso organismo produzindo uma sensação de bem-estar. Mas, se "forçamos a máquina" ocorrerá o contrário, ficaremos exaustos e não poderemos fazer frente ao stress.

Por outro lado, devemos levar em consideração que na sociedade atual, o nível de stress atinge padrões nunca alcançados anteriormente. Assim, somos obrigados a segregar mais endorfinas que nossos antepassados. Logicamente, este fato eleva a probabilidade de esgotamento de nossas reservas, antes do que seria previsível em outras condições. O homem moderno vive situações que a natureza não foi capaz de prever. Sem dúvida, por esta razão, o homem "civilizado" precisa, cada vez com maior frequência, substitutos para os prazeres naturais: consome mais televisão, mais tabaco, mais álcool e mais drogas a cada ano que passa. Também necessita entrar em férias periodicamente, enquanto seus avós viveram felizes toda sua vida sem saber o que eram férias.

Vivemos na atualidade uma insatisfação em toso os níveis, explorada por governos e pela indústria, valendo-se da propaganda. Este descontentamento está diretamente relacionado com o stress. Enquanto não tivermos um estado de relativa saúde psicológica, não só não poderemos ser felizes, como também não poderemos ser realmente livres. Estaremos sob as influências hipnóticas da propaganda e, como o cachorro de Pavlov, reagiremos exatamente como previram esses magos modernos da publicidade.

Devemos guiar nossas vidas por nossa própria vontade e saber separar o joio do trigo, quando alguém nos faz uma proposta. É importante descobrir qual o sistema que se ajusta melhor à nossa personalidade para ajudar-nos a viver sem stress. Para alguns será a Ioga, o Tai-Chi ou a meditação, para outros a massagem e para outros um esporte ou um hobby.

Devemos ser capazes de utilizar a capacidade de stress de um modo positivo. Como dizíamos no início deste livro, nosso pior inimigo pode transformar-se em nosso melhor aliado quando contornamos a situação e atraímos seu interesse. Procuremos qual é o exercício que melhor adapta-se a nós e tentemos descobrir qual é a válvula de escape que vamos utilizar com maior proveito.
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COMO COMBATER O STRESS
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Para combater o stress existe somente um método: equilibrar o fluxo de endorfinas em nosso organismo. No capítulo intitulado COMO SEGREGAR ENDORFINAS, explicaremos diversos sistemas que ajudarão a alcançá-lo. De momento, daremos atenção ao mais importante: o relaxamento.

Se desejamos modificar nosso sistema de vida que, no final das contas, é a causa do stress, devemos aprender a relaxar. Antes de mais nada, é preciso compreender que as mudanças produzidas no corpo afetam a mente e, ao mesmo tempo, as mudanças produzidas nesta afetam o corpo. O corpo e a mente constituem uma unidade inseparável, que somente uma inteligência poluída por séculos de cartesianismo nos faz ver como uma dualidade. No seu livro Bodymind, Ken Dychtwald nos propõe "mudar o jogo" para eliminar o potencial destrutivo do stress. Isto significa que devemos mudar nosso sistema de vida, fazendo funcionar de outro modo o nosso dia-a-dia. Grande parte do stress tem sua origem nas diversas maneiras que temos de abusar de nós mesmos, através de hábitos de vida prejudiciais e através da ciranda competitiva do mundo moderno a qual estamos atrelados. É evidente que se melhorarmos nosso estilo de vida, eliminaremos ou, ao menos, conseguiremos atenuar os fatores que geravam stress.

Outra obra que pode ajudar-nos a mudar nossa vida é o clássico de Ken Keyes e Tolly Burkam How to make your life work (Como fazer funcionar sua vida).

Para combater o stress é muito importante aprender a mudar as perspectivas. Precisamos deixar de lado certas coisas, simplesmente, porque estávamos enganados a seu respeito. É muito melhor para nossa saúde mental aceitar as coisas tal qual são e não como gostaríamos que fossem. Um bom exercício consiste em fazer um repasse periódico de nossas convicções, de nossas atitudes, crenças e escala de valores.

Fumar, por exemplo, é uma importante causa de stress. Mas, tentar deixar de fumar pode ser mais estressante. Com frequência, quem deseja deixar de fumar necessita ajuda. Se seu caso é esse, não duvide, peça! Apele aos amigos, muitos deles o ajudarão porque já passaram pelo mesmo problema. Não esqueça que quando deixa de fumar seu corpo necessita adaptar-se a esta nova situação e, durante algum tempo, segrega menos endorfinas. Este processo de adaptação pode variar, conforme a pessoa e de acordo com a quantidade de cigarros que ela costumava fumar; porém, mais dia, menos dia, terminará.

De modo geral, não fazemos exercício suficiente, esta é outra das causas do stress. A vida rotineira e sedentária que leva o homem da cidade é completamente antinatural. Seu corpo torna-se rígido, os músculos debilitam-se e a circulação sanguínea piora. Um corpo sadio e treinado pode ajudar muito a reduzir o stress. Qualquer atividade física, quando não é exagerada, tem um caráter altamente positivo: caminhar, nadar, fazer esporte, etc. Se jogar golfe não está ao alcance de seu bolso, pode caminhar vinte minutos cada manhã antes do desjejum. Não somente "desperta o apetite", como também flexibiliza o corpo que ficou endurecido depois das horas do sono. Não esqueçamos que o stress é uma forma de endurecimento.

Geralmente, utilizamos o carro e o elevador de modo exagerado. Se somos capazes de habituar-nos a realizar a pé trajetos curtos (como por exemplo ir à padaria, comprar o jornal, buscar nossos filhos no colégio, etc.) e de renunciar pelo menos uma vez por dia ao elevador, em um par de semanas nosso humor terá mudado. Teremos mais vontade de viver e teremos perdido a barriga.

Outro aspecto de nossa vida que devemos vigiar se quisermos combater o stress é a dieta. A maioria de nós segue uma dieta desequilibrada ou pouco adequada, que favorece as carências alimentares e desequilibra o nosso organismo. Seria muito conveniente o conselho de um bom especialista. Mas também cometemos excessos, utilizamos mais sal do que o necessário e comemos demais. Cada vez que avançamos sobre a comida até acabar com o último pedacinho, devemos lembrar que estamos comendo por cima da nossa fome natural.

Além de deixar de fumar, começar a praticar algum esporte e vigiar sua dieta, se realmente deseja combater o stress que azeda sua vida e o deixa deprimido, é importante que aprenda a relaxar. Para estar em harmonia consigo mesmo convém dedicar, periodicamente, um lapso de tempo à interiorização ou à meditação. Existe muitas técnicas de meditação e qualquer uma delas é boa para começar. Porém, há uma regra básica que nunca devemos esquecer: durante a meditação, tudo deve transcorrer espontaneamente, é preciso não forçar nada e comportar-se do modo mais calmo possível. Se alguém tenta ensinar-lhe um sistema de meditação diferente, deve rejeitá-lo.
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AS ENDORFINAS E AS DROGAS
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Como vimos, as endorfinas são um verdadeiro veículo do prazer, da euforia e da sensação de felicidade. Trata-se do que um elevado número de pessoas procura nas drogas. Esta parece ser uma constante na história do homem desde que abandonou o Paraíso, procurar fora dele o que já tem em seu interior.

É evidente que se drogas como a morfina ou a heroína funcionam, é porque nosso organismo está preparado para recebê-las e reagir a elas. Uma porta pode ser aberta se tem uma fechadura onde possamos colocar uma chave. Sabemos que com qualquer chave não podemos abri-la. Terá que ser a chave correspondente ou uma muito parecida. Se usamos a chave adequada, a porta se abrirá sem problemas, mas se utilizamos um sucedâneo, com toda certeza, mais dia, menos dia, estragaremos a fechadura. Acontece que algumas drogas são apenas sucedâneos das endorfinas e uma vez usadas um certo número de vezes, não só estragam as fechaduras, como também inibem a fabricação de endorfinas. O caso mais evidente é o da heroína, que tantos estragos está fazendo em nossa juventude.

O consumidor deste tipo de entorpecente, quando se aplica uma dose, está tentando provocar externamente o que seu organismo deveria fazer em seu interior. Efetivamente, as primeiras vezes vive uma agradável sensação de felicidade e euforia, de relaxamento e ausência de stress. A prova é que muitos dependentes descrevem esta situação dizendo: "é como estar de férias". Graças à droga, "desligaram-se" momentaneamente daquilo que lhes produzia stress e infelicidade. Mas, isto acontece unicamente com as primeiras doses: estão forçando a fechadura. O que é realmente dramático neste caso, além da terrível intoxicação que vai ocasionando, é que a capacidade do organismo para segregar e para receber endorfinas vai diminuindo, razão pela qual o usuário encontra-se cada vez mais desprotegido perante a dor e o stress. A partir de um determinado momento, o indivíduo já não se "pica" em busca de prazer ou da sensação de felicidade, mas simplesmente para não sofrer, para não sentir dores no corpo.

Assim sendo, nos diversos métodos de reabilitação de viciados em heroína, deveria-se levar muito em conta a estimulação da secreção de endorfinas. Sem dúvida, a única maneira de salvar estes doentes passa pelo reequilíbrio de sua capacidade de produção desta "anti-droga" natural.

Como escreveu sobre as encefalinas, um destacado pesquisador europeu, José María Antón, "A própria existência destes peptídeos permitiu dar um novo enfoque ao problema do consumo de drogas. Relacionando, assim, de modo intuitivo certas tendências ao consumo de drogas com baixos níveis ou níveis deficitários de encefalinas. Pareceria ser que até a euforia produzida pelo álcool, provém, em última instância, de uma liberação de encefalinas".

Já se disse que as endorfinas "são nossa morfina interna". O consumo de drogas provoca no usuário uma drástica diminuição dos níveis naturais de endorfinas, no caminho de volta, o que pode ajudar realmente a abandonar a dependência é um aumento destes mesmos níveis naturais de endorfinas.

Todos sabemos que para tirar algo de alguém sem violência temos que oferecer algo em troca. Os conquistadores espanhóis e portugueses obtiveram enormes quantidades de ouro dos indígenas americanos em troca de pedacinhos de espelho, e os países industrializados conseguem as matérias-primas que precisam, oferecendo em troca medicamentos e bugigangas tecnológicas. Como podemos constatar, para poder tirar algo de alguém é preciso oferecer algo em troca, de preferência alguma coisa da qual ande escasso e, no caso que nos ocupa agora, esse algo são as endorfinas. As endorfinas são um produto natural, algo que não se compra, não se vende e não se pode negociar.

Existe uma velha história chinesa que diz, em poucas palavras: "Se desejas ajudar um faminto não lhe dê peixe para comer, porque no dia seguinte voltará a ter fome. Dá-lhe uma vara, um anzol e ensina-o a pescar".

Com as endorfinas ocorre o mesmo, não podem ser ministradas de fora para dentro. É nosso próprio organismo que as fabricará do lado de dentro, se desde o lado de fora o ajudamos a encontrar a situação e as condições propícias para que possa fazê-lo.

No capítulo intitulado COMO SEGREGAR ENDORFINAS veremos alguns dos sistemas que nos permitirão aumentar nossa produção destas substâncias.

Além das chamadas drogas pesadas, outro tipo de estimulantes ou relaxantes que exercem um efeito nocivo sobre o organismo, são as chamadas drogas permitidas como o álcool e o tabaco. Vamos examinar, superficialmente, que relação têm com as endorfinas.

O álcool é uma droga que tomada em quantidades excessivas torna-se muito mais perigosa do que geralmente imaginamos. Não são somente seus efeitos sobre a pessoa que bebe, sobre seu fígado ou sobre o que se refere a sua dependência psicológica da bebida que devemos ter em conta. O mais perigoso do álcool é que sob seus resultados produz-se uma perda do controle da vontade e dos reflexos, cujas consequências são imprevisíveis. Muitos abusos sexuais acontecem quando as pessoas estão alcoolizadas, inclusive, como bem sabemos, em muitos acidentes de trânsito o motorista havia bebido além da conta.

Vimos nos capítulos anteriores que o relaxamento favorece o fluxo de endorfinas, trazendo, em consequência, sensação de bem-estar e felicidade. Em muitas ocasiões, o típico executivo agressivo chega ao fim de sua jornada de trabalho em um estado de stress que dificulta muito o relaxamento por meios naturais, principalmente se não está acostumado a relaxar e não pratica nenhuma técnica que favoreça o relaxamento. É bastante normal, então, que faça uso da bebida, uma dose de qualquer bebida alcoólica distenderá seus nervos e o ajudará a relaxar. O álcool produz uma reação parassimpática de calma e relaxamento.

Quando foram descobertas as endorfinas, suspeitou-se que existia uma estreita relação entre estas e o álcool. Até chegou-se a pensar que a absorção de álcool poderia auxiliar a secreção de endorfinas naturais. Mas logo se viu que ocorria exatamente o contrário. Na Universidade Cagliari, em Pavia, Itália, descobriu-se que o hábito crônico de consumir álcool anula a capacidade do corpo da mente corretamente o fluxo de endorfinas no organismo. Sem dúvida, isto é devido ao fato de que a "vontade" da euforia bioquímica produzida pelas endorfinas, aumenta a procura pela reação parassimpática artificial que o álcool produz.

Quando procuramos o álcool para lutar com o stress, o que realmente estamos querendo é uma sensação de calma e de relax que já está em nós. O álcool é um mero substituto, mas um substituto perigoso. Certamente nos ajuda a perder durante um curto espaço de tempo nossas inibições, mas não seria muito melhor libertar-nos delas para sempre de uma maneira consciente, voluntária? Se quando bebemos estamos mais desinibidos, somos mais simpáticos, espirituosos e dançamos melhor, devemos ser suficientemente lúcidos para perceber que o problema está em nosso interior. Existe algo que não nos permite ser como realmente somos. Bebendo, nunca conseguiremos nos ver livres dos complexos, só os deixaremos de lado durante um certo tempo, para logo depois voltar a cair outra vez sob seu domínio.

Depois da tempestade vem a calmaria, mas depois da calma artificial que o álcool provoca, por força, virá uma tempestade. Que não nos reste a menos dúvida. O organismo irá debilitando-se, o fígado irá adotando um tamanho e uma forma descomunal e o caráter ficará azedo como leite estragado.

Porém, o que é pior, pouco a pouco se criará em nós uma horrível dependência que não nos deixará funcionar normalmente sem uma dose de álcool. Se antes bebíamos somente ao terminar nossa jornada de trabalho, agora já tomamos um gole de manhã, para melhorar o astral.

O álcool pode ajudar a esquecer e, às vezes, é muito melhor esquecer um problema para encará-lo com outros olhos no dia seguinte. Mas assim, nunca vamos solucionar o problema e uma questão esquecida não é uma questão solucionada.

Talvez nosso problema não seja o álcool, mas o tabaco. Especialistas no tema detectaram que há um aumento de endorfinas em nosso organismo associado a níveis de nicotina no sangue. Seria possível pensar que, simplesmente, fumar aumenta a secreção de endorfinas e, por este mesmo motivo, dá uma sensação de felicidade aos fumantes. Mas não é bem assim.

A nicotina reforça a ação das vasopressina, que desempenha um papel muito importante no auxílio à memória; igualmente atua sobre a epinefrina, que ajuda a vigília. Graças a isto, fumar pode ajudar os intelectuais a discorrerem e a escreverem mas o tabaco tem também outros efeitos menos atrativos.

Este não é um livro dedicado a luta contra o tabagismo, assim não vamos alongar-nos sobre o assunto passando revista a todos os efeitos nocivos do cigarro, que não são poucos. O que importa, dado o contexto desta obra, é salienta que fumar gera em nosso organismo uma reação de stress, portanto, comporta todas as consequências positivas e negativas do stress.

Ponderemos unicamente as positivas. Já vimos, em capítulos anteriores, como o organismo reage perante uma situação de stress, segregando endorfinas para compensar este estado com uma sensação de calma e relax. Os primeiros cigarros costuma-se fumar para fazer como os outros Depois de um certo tempo, começa a dependência psicológica; fumando, sentimo-nos maiores, nossa autoconfiança aumenta, o cérebro está mais lúcido e parece que nos lembramos melhor das coisas. Mas, pouco a pouco, principalmente se também bebemos, a nicotina e o alcatrão irão deixando seus sinais nas veias e nos pulmões; entre outras patologias, a arteriosclerose não se fará esperar. Finalmente, depois de alguns anos, o organismo habituou-se de tal modo ao tabaco, que já não fumamos unicamente para sentir-nos maiores ou mais interessantes: necessitamos do tabaco para poder funcionar normalmente. Fumar, com o stress que produz no organismo, é nossa maneira de segregar endorfinas; assim como o dependente de heroína, caímos na armadilha.

Quando tentamos deixar de fumar, o que nos custa tanto não é largar o cigarro, mas adaptar-nos a uma situação de menor fluxo de endorfinas. Por esta razão, se decidimos deixar de lado o tabaco, o melhor que temos a fazer é estimular a secreção de endorfinas.

Um método bastante eficaz que os orientais exportaram com êxito ao ocidente é a acupuntura. Está comprovado que certo tipo de endorfinas aumenta depois de tratamentos com acupuntura, principalmente tratamentos para combater a dor. Esta diminui ao mesmo tempo que aumenta a sensação de prazer. J. Arehart-Treichel, em um artigo publicado na revista Sciente News de julho de 1997, intitulado: "Encefalinas, mais do que somente um analgésico", declara que tem sido demonstrado clinicamente que a anestesia produzida com acupuntura eleva o nível de endorfinas.
De acordo com alguns terapeutas especializados na luta contra o tabagismo, o mais conveniente é ir reduzindo pouco a pouco os cigarros, ao mesmo tempo em que se estimula a fabricação de endorfinas com atividades físicas, por exemplo, corrida ou squash. Estes esportes "violentos" fornecem endorfinas a partir do stress que ocasionam, também serão muito úteis as massagens, principalmente a massagem na planta dos pés.
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AS ENDORFINAS E O RISO
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Vários pesquisadores modernos descobriram algo que nossos avós já sabiam: rir faz bem à saúde. Mas não somente rir, levar as coisas com bom humor, positivamente, sem projetar negatividade, tudo isso ajuda a viver uma vida mais plena.
É conhecido o caso de um importante executivo de Nova Iorque que quando ficou sabendo que estava condenado à morte por um câncer irreversível, decidiu passar seus últimos dias com a mulher que amava, em um bom hotel, assistindo em vídeo todos os filmes dos irmãos Marx. Toda esta combinação e, principalmente, o tempo passado divertindo-se a valer e rindo das piadas e das palhaçadas dos três patetas foi espetacular. Não só não morreu na data prevista por seu médico, como depois de algumas semanas seu câncer havia desaparecido. Curou-se com o riso.
Todos já comprovamos como o riso nos faz esquecer as preocupações, os problemas e nos permite encanar a existência de um modo mais positivo. Os povos perseguidos sempre desenvolveram um senso de humor especial que, sem dúvida, os têm ajudado a suportar a perseguição.
Se nos encontramos perante uma pessoa deprimida, antes de dar conselhos graves e explicações pertinentes sobre o que está ocorrendo, às vezes, a melhor forma de ajudá-la é fazê-la rir. O humor, com sua irracionalidade, tem algo essencial que ajuda o desbloqueio psicológico.
Os estudos atuais não são definitivos, mas indicam que há uma estreita relação entre o riso e as endorfinas. Em princípio, temos visto que rir provoca um relaxamento que favorece a produção de endorfinas. Os efeitos que podemos atribuir a estas últimas aparecem também com o riso, melhora-se mais facilmente nas doenças, são antidepressivas e servem para manter a saúde.
Uma atitude positiva e um certo toque de bom humor perante a vida implica em uma bioquímica equilibrada e, uma bioquímica equilibrada contribui para que nossas glândulas segreguem corretamente os hormônios que devem segregar. Assim, nos encontramos com uma taxa "normal" de endorfinas no corpo e, logicamente, de defesas e da capacidade de sensação de felicidade.
Um tratamento contra a dor surpreendente e efetivo é a gargalhada! Além das endorfinas, um grande número de substâncias cerebrais são estimuladas pelo ato de rir. Um simples sorriso emite uma informação que ativa a secreção de endorfinas no cérebro. Trata-se de um mecanismo similar àquele que aumenta a secreção de suco gástrico quando sentimos o cheiro de uma comida gostosa.
Contar piadas, fazer uma brincadeira, ver um filme engraçado ou ler uma história divertida podem ser excelentes remédios para nosso corpo e nosso espírito. E sem efeitos colaterais! Todos os mestres zen o sabem.
Como o bocejo, a gargalhada é maravilhosamente curativa. Todos os verdadeiros mestres espirituais possuem um fino senso de humor e muitos de seus ensinamentos têm um lado engraçado. Os contos judeus, as historietas sufistas ou as fábulas taoistas são um bom exemplo.
Para sermos felizes, devemos aprender a colocar-nos por cima desta miragem que chamamos de realidade. Temos que ser capazes de superar as vicissitudes do destino e, nosso senso de humor, do grotesco e do ridículo nos ajudará.
Um antigo ensinamento zen nos propõe o seguinte exercício:
Permaneça sério. Reflita a respeito da gravidade de cada instante: cada segundo que passa é um passo mais em direção à morte inelutável, é como um grão de areia que caiu no vaso inferior da ampulheta e que nunca mais voltará a subir. À medida que circula o sangue nas veias, sua vida vai para o inexorável fim. Viver é morrer pouco a pouco. Cada segundo que passa morrem várias crianças no mundo, um banqueiro vai à falência e surge um novo vírus. Tudo é muito sério, tudo é muito importante. Adote uma atitude solene: ria.
Ria às gargalhadas porque tudo é uma brincadeira. Cada momento de sua vida é como o ato de uma comédia, só que muitas vezes você não está entre o público. Mas agora sim pode rir, porque é a única coisa inteligente a fazer. Quando conseguir encarar a vida como deve ser, ela será um fluir constante de prazer e alegria, um perpétuo renascer. Nada é permanente e ao mesmo tempo tudo é eterno; nada é imutável, nada é inalterável. Como o mito de Sísifo, a pedra sempre acaba caindo; não vale a pena esforçar-se tanto. Ria, ria às gargalhadas porque é o melhor que pode fazer.
Tente fazer uso desta capacidade que todos os seres humanos possuímos, ver as duas faces da mesma moeda. Aprenda a ver a verdade na mentira, o bem no mal, a oportunidade que inevitavelmente se encontra em qualquer dificuldade. Tudo aquilo que à primeira vista parece negativo, tem seu lado positivo. Não caia na armadilha de julgar de modo prematuro o que lhe acontece ou as pessoas que encontra no seu caminho. Vá até o fundo das coisas, além das aparências.
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A NEGATIVIDADE E AS ENDORFINAS
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Tivemos oportunidade de ver que uma atitude positiva e bem humorada diante da vida ajuda o organismo a segregar endorfinas, mas também acontece o contrário. Uma atitude negativa, pessimista e sombria, bloqueia o sistema de secreção de endorfinas.
A depressão, esse mal dos tempos atuais, é algo que perturba seriamente a saúde, inibe a fabricação de endorfinas e prejudica sua circulação em nosso corpo.
Todas as religiões, todos os sistemas filosóficos e de auto-ajuda ou auto-superação insistem que, para ter êxito e ser feliz, é preciso ser positivo, encarar a vida com humor e dinamismo. Dizem que o indivíduo pessimista projeta sua negatividade sobre tudo aquilo que o cerca e até sobre o que está para lhe acontecer. O homem não é totalmente responsável por seu destino, mas sua conduta e suas atitudes pesam muito em sua sorte. Se só temos olhos para as dificuldades e os contratempos, se só conseguimos sentir mágoa e ressentimento, nossa existência se transformará num inferno. Para aqueles que vêem o futuro confiante e otimista, a vida será uma sucessão de interessantes descobertas; e para os pessimistas, a vida será um caminho sombrio e cheio de dificuldades.
Não é necessário alongar-nos muito neste ponto, nem pretendemos desenvolver alguma complicada teoria sobre as desvantagens de ser negativista. Este não é um livro de moral, mas de divulgação científica. Lembremos, simplesmente, que nossa atitude mental desempenha um papel decisivo na produção de endorfinas, esta droga da felicidade. Quando temos maus pensamentos, quando temos idéias sombrias e pessimistas, estamos remetendo ao cérebro informações que vão ser decodificados e associadas a circunstâncias desagradáveis. Do mesmo modo que nos bons momentos fabricamos endorfinas, nos maus, estas escasseiam. Dito de outro modo, o mesmo mecanismo que ajuda a secreção de endorfinas, quando utilizado em sentido contrário, pode arruinar os melhores momentos de nossa existência. Sinceramente, não vale a pena.
Porém, a depressão pode surgir a partir de algo que não depende de nós, por exemplo, quando se malogram as expectativas de conseguir alguma coisa há muito tempo esperada; ou ainda, em consequência de um acontecimento doloroso como a perda de um ser querido. Nestas situações ficamos abatidos. O choque emocional que sofremos, ocasiona a diminuição repentina do fluxo de endorfinas no sangue.
Quando nos sentimos deprimidos, devemos lembrar que não estamos funcionando normalmente. Por alguma razão, que convém considerar com toda a lucidez possível, nossa capacidade de secreção de endorfinas diminuiu temporariamente. é importante compreender o seguinte: trata-se de algo transitório, passageiro, como as nuvens que cobrem o sol de vez em quando. Sem dúvida, amanhã terão desaparecido e o céu estará azul outra vez.
Temos que ser plenamente conscientes de que a saída da depressão não está fora de nós, mas sim, em nossa própria capacidade de reagir, produzindo endorfinas para alcançar, novamente, o equilíbrio perdido. Se tentamos evadir-nos, o que às vezes é muito lícito, procuremos não fazê-lo através do álcool ou das drogas; o remédio seria pior que a doença. Vamos ao cinema ver um filme de aventuras, ou uma boa comédia, que nos ajude a esquecer os problemas. Procuremos um amigo que goste de nós e nos compreenda, diante de quem possamos abrir o coração e desabar nossas mágoas. Frequentemente, a depressão é a resposta ao nosso modo de vida, com seus convencionalismos e sua hipocrisia. Ser franco, pular de vez em quando e conscientemente, as estreitas margens do comportamento que nos impõe a sociedade, não somente é curativo, como também pode ser profilático.
Lembremos dos momentos felizes. Se o ser humano está dotado de uma faculdade chamada memória, deve ser por algum motivo; aproveitemos este dom.
A depressão é uma limitação, uma frustração. Quando estamos deprimidos sentimo-nos diminuídos, insatisfeitos, contrariados. Para combater este estado de ânimo precisamos sentir-nos mais seguros, consolidar-nos, mas não através do álcool e do tabaco. Apesar de dura e dolorosa, no início, a auto-análise costuma dar resultados muito bons. Não devemos nos iludir, mas tentar nos conhecer melhor, aprendendo a nos amar e nos aceitar tal qual somos. Não nos sintamos culpados, mas tratemos de descobrir porque não gostamos de tal ou qual coisa a nosso respeito. Analisemos o que consideramos nossos defeitos e veremos que, no fundo, são somente a outra face da moeda de nossas virtudes. Se podemos corrigir alguma falta, procuremos fazê-lo; o simples fato de tentar será muito mais euforizante que qualquer droga e muito mais barato!
Não tentemos combater a depressão com antidepressivos. Fazer experiências com nosso cérebro à luz dos conhecimentos atuais é como pretender arrumar um relógio sem ser relojoeiro; provavelmente não saberemos o que fazer com tantas peças. Finalmente, o hábito de auto medicar-se é muito perigoso, não brinquemos de aprendizes de bruxo.
As chamadas drogas antidepressivas costumam causar, na maioria das vezes, efeitos colaterais imprevisíveis e indesejáveis, que dependem muito da pessoa que as ingere.
Podemos comparar a depressão com um lago. Quando suas águas movimentam-se e fluem normalmente, estão sempre cheias de peixes. Porém, quando deixam de correr, ficam estagnadas e barrentas, os peixes morrem e a água apodrece.
Com a depressão ocorre algo parecido. Poderíamos dizer que se manifesta em consequência de um estancamento bioquímico em nosso organismo. Os pesquisadores observaram que o estancamento parassimpático parece reforçar a tendência para a depressão. Devemos, então, considerar dois fatores: o da entrada e o da saída. Assim, o lago pode ficar estancado porque não chegam a ele águas novas procedentes das chuvas ou de algum rio. É a depressão por falta de estímulos. Por outro lado, o lago pode estancar porque suas águas não fluem para o mar. É a depressão por bloqueio, por fechar-nos muito; começamos a perder o hábito de compartilhar e nos sentimos limitados e frustrados.
No primeiro caso achamo-nos diante de uma carência de endorfinas, enquanto no segundo, parece que nos encontramos frente a um excesso delas. Alguns autores aconselham que, neste caso, o adequado é fazer uma massagem em alguém, ou acariciar nosso animal de estimação. Porém, no primeiro caso, o mais conveniente é que sejamos nós quem recebe a massagem.
A vida é um presente muito precioso para desperdiçá-lo e devemos aprender a vivê-la plenamente. As contrariedades que possam surgir não estão aí para afundar-nos, mas sim para animar-nos e superá-las. Transpor um obstáculo não é somente algo excitante ou edificante, como obter um prêmio ou bater um recorde, á algo que estimula em nosso organismo a secreção de endorfinas.
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A "DROGA" DA FELICIDADE
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A não ser em casos patológicos, todos os seres humanos aspiram ser felizes. No entanto, o que entendemos por felicidade, apesar de ser algo muito pessoal, não é um mero conceito teórico ou filosófico, mas um estado real que se alcança ou se perde. Contudo, é um estado relativo: podemos ser mais ou menos felizes, podemos sentir-nos mais ou menos infelizes.
Seja como for, a vida humana gira em torno da busca da felicidade, em torno daquilo que nosso cérebro interpreta como causa de felicidade. Para alguns pode ser o acúmulo de bens materiais, para outros a satisfação dos prazeres estéticos ou espirituais e para outros ainda, simplesmente, a satisfação de ter uma posição segura e ater-se a princípios morais e éticos.
No entanto, todas estas coisas pertencem ao que chamamos de "normalidade", e na vida podem aparecer momentos nos quais nos afastamos desta "normalidade".
Em alguma ocasião, sem saber muito bem o porquê, sem nenhuma causa aparente, vibramos de prazer e nos sentimos extraordinariamente bem. Vivemos esta maravilhosa sensação de plenitude que se convencionou em chamar "euforia". Nestes momentos, sentimos que a vida vale a pena ser vivida, que os problemas não nos atingem, que estamos bem dentro de nossa pele. Esta sensação de euforia é o resultado da ação das endorfinas. Apodera-se de nós quando recebemos um presente ou quando somos surpreendidos com alguma coisa agradável.
Recebemos um telefonema da pessoa amada ou ganhamos a loteria: nos sentimos eufóricos. Nossa equipe favorita marca o gol que faltava para ganhar o campeonato, ou achamos, por casualidade, aquele selo que tanto procurávamos para completar uma série de nossa coleção. Pouco importa o fato em si, o que realmente interessa é como vamos recebê-lo e o efeito que vai produzir em nós. Estes exemplos mostram-nos que não só estímulos físicos, mas também os do tipo emocional, podem colocar em marcha o mecanismo que ativa as endorfinas.
Todos conhecemos a história daquele executivo que depois de alguns anos de duro exercício da profissão, começou a padecer as consequências - ameaça de infarto, contínuo stress, problemas sexuais e de relacionamento dentre outros problemas de saúde. Aconselhado por seu melhor amigo, outro executivo bem-sucedido, começa a fazer squash duas vezes por semana e ao cabo de quinze dias sua vida começa a mudar "milagrosamente". Voltou a corresponder sexualmente, rende mais no seu trabalho, já não tem aquelas horríveis enxaquecas e quando aparecem aqueles problemas que antes deixavam-no aniquilado, agora sente-se motivado e luta com mais energia para alcançar os resultados desejados. Não nos resta a menor dúvida, o tipo de vida que levava estava contribuindo para diminuir a secreção de endorfinas. Com o exercício voltou a aumentá-la.
Outro caso típico é o daquela jovem depressiva que aparentemente não tinha vontade de viver. Arrastada por amigos, foi de férias a um país distante e exótico, durante sua permanência ali, acontece uma revolução. A vida mole que tinha na cidade ficou para trás e agora a única coisa que importa é a sobrevivência. Como por milagre, nossa amiga mudou totalmente. Agora é a mais valente e a mais dinâmica, a mais ativa e a que manifesta maior vontade de viver de todo o grupo. Novamente, são as endorfinas que operaram uma espetacular mudança psicológica nesta moça.
Arriscar-nos, apaixonar-nos, fazer aquilo que realmente tínhamos vontade de fazer, passando por cima das insuportáveis barreiras da rotina, dos preconceitos e dos tabus. Tudo isto contribui para melhorar a secreção de endorfinas. Ver James Bond ou Superman realizarem aquelas proezas com as quais sempre sonhamos, mesmo sem confessá-lo. Contemplar o herói do filme quando faz amor com a loira de nossos sonhos e, principalmente, identificar-nos com eles enquanto dura o filme. Também assim favorecemos a fabricação de endorfinas. Como no caso do ovo e da galinha, é muito difícil saber quem vem primeiro: é a endorfina que produz prazer ou é o prazer que produz endorfinas. Sem dúvida, vemos aqui um complexo feedback: a galinha põe o ovo e do ovo nasce outra galinha. Dito de outro modo, as endorfinas causam prazer e aquilo que nos causa prazer estimula a fabricação e o fluxo correto das endorfinas.
Nas últimas décadas a ciência descobriu que, do ponto de vista fisiológico, grande número de processos patológicos, relacionados com os mecanismos de transmissão nervosa, são regulados pelas endorfinas. Estabeleceu-se que certos estados depressivos e maníacos, além de certas doenças como a esquizofrenia, guardem estreita relação com o nível de encefalinas que o paciente tem no líquido cefalorraquiano.
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As endorfinas e as lembranças
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Diversas experiências científicas, realizadas com voluntários, têm demonstrado que altos níveis de endorfinas estão associados ao otimismo e ao bem-estar; enquanto que níveis baixos correspondem a estados de pessimismo e depressão. Igualmente, foi possível observar que as imagens positivas estimulam a criação de endorfinas, ao passo que as imagens negativas inibem-nas.
O importante para ter boa saúde física e psíquica não é só a secreção de endorfinas, também é preciso que seu fluxo através do nosso organismo seja correto. Muitos problemas psicológicos estão associados a este desequilíbrio bioquímico. Os modernos avanços da Neurologia e da Psicologia parecem demonstrar que nossas escolhas, tanto afetivas quanto mentais, desempenham um papel significativo no equilíbrio bioquímico do organismo. Uma sensação, um pensamento, até um cheiro, podem desencadear todo um processo como, por exemplo, a digestão. Pensar em comida pode nos dar "água na boca"; imaginar que estamos com a pessoa amada ou com alguém que consideramos muito atrativo, pode chegar a nos excitar; e, cantarolar uma melodia de nossa juventude pode nos emocionar.
O que vemos e o que ouvimos é transformado no cérebro em mensagens bioelétricas. O mesmo ocorre com outros processos sensoriais. Estas mensagens bioelétricas encarregam-se de estimular a formação de endorfinas.
Neste mecanismo, a memória desempenha um papel primordial. O medo, a dor e o prazer são memória; somente a surpresa está além do conhecido.
Quando temos medo, nunca temos medo do desconhecido por estranho que possa parecer. Sempre se trata do temor de algo conhecido, que nos causou dor e cuja experiência não queremos repetir. Este simples processo está presente na base de muitas fobias e manias; a relação é inconsciente, na maioria das vezes escapa a qualquer concepção lógica.
A dor psicológica não é, em essência, diferente; obedece a uma sucessão de estados similares. No passado, quase sempre na infância, fomos atormentados por uma situação dolorosa. Agora estamos perante qualquer coisa que, de uma maneira ou de outra, lembra-nos antigos sofrimentos, então, reagimos com a dor psicológica.
O mecanismo do prazer não difere essencialmente dos anteriores, embora de certo modo funciona às avessas. Recordamos um momento de intensa felicidade. As lembranças nos trazem à memória uma sensação de plenitude e novamente experimentamos prazer. Talvez não seja um sentimento tão forte como o de outrora, provavelmente algo mais suave, um pouco indefinido.
Nos três exemplos que acabamos de dar entra em jogo a questão das endorfinas. Nos dois primeiros casos, lembranças adversas inibiram a fabricação ou o fluxo de endorfinas no organismo, em consequência, voltamos a ter as mesmas sensações desagradáveis de antigamente. Só assim podemos compreender porque, em muitas ocasiões, fugimos de nós mesmos para procurar consolo nos paraísos artificiais do álcool e das drogas. No terceiro exemplo, aconteceu exatamente o contrário, houve estimulação de endorfinas.
As situações anteriores mostram que uma das chaves para estimular a secreção de endorfinas e ser mais felizes está nas boas lembranças. No capítulo COMO SEGREGAR ENDORFINAS explicaremos diversos métodos para ajudar nosso cérebro a fabricar esta "droga" da felicidade.
Para que as endorfinas possam fluir livremente, através do nosso organismo, é imprescindível praticar relaxamento de forma periódica. Geralmente, este repouso é proporcionado pelo sono, mas muitas vezes não é suficiente. Além do mais, o barulho das cidades, a vida agitada que costumamos levar, o excesso de excitação e o stress são os causadores de um sono cotidiano que não é reparador como deveria ser. O problema pode ser constatado, facilmente, por contraste. Não dormimos muito melhor quando estamos de férias no campo ou na praia? Esta deficiência deve ser recuperada, para isto qualquer sistema para diminuir a tensão ou método de meditação será bem-vindo.
Nossa capacidade de trazer à consciência lembranças do passado funciona muito melhor quando estamos relaxados e em equilíbrio. A nível inconsciente ocorre o mesmo. Se desejamos evocar aquelas recordações positivas que nos ajudarão a segregar endorfinas, é importante fazer o possível para diminuir a tensão. Um bom exercício, aconselhado pela maioria dos terapeutas, consiste em praticar técnicas de relaxamento antes de dormir. Somente nos levará alguns minutos e, com frequência, será um excelente passaporte para uma noite tranquila.
Na cama, na posição que adotamos normalmente para dormir, devemos concentrar o pensamento na ponta dos pés, senti-los e relaxar.
Temos todo o tempo do mundo, ninguém nos espera... Pouco a pouco, quando os pés estiverem relaxados, faremos o mesmo com os tornozelos, os joelhos, as pernas. Pensaremos que são leves como cortiça, depois continuaremos com o tronco e assim até que todo o corpo estiver relaxado e solto. No entanto, o mais provável, é que antes de terminar nos vença o sono e este sono iniciado com um relaxamento será muito mais reparador que o outro.
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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

ENDORFINAS - PARTE 2

Jack Lawson



COMO SEGREGAR ENDORFINAS

Se os efeitos das endorfinas são tão espetaculares e tão benéficos para o ser humano, cabe perguntar como podemos fazer para segregá-las ou, ao menos, favorecer sua fabricação dentro do organismo. Afinal de contas, elas são uma substância natural muito necessária, não somente para sobreviver, mas também, para poder “funcionar bem” e ter uma vida normal.
É evidente que as boas lembranças são um poderoso “criador” de endorfinas. Recordar situações prazerosas, quando estamos relaxados, pode auxiliar-nos a segregar novamente o mesmo tipo de endorfina produzido naquela ocasião. Esta é a base de muitas técnicas de meditação e cura que utiliza a chamada “Visualização Criativa”. Por outro lado, muitos dos poderes “mágicos”, que poderíamos atribuir a astrólogos, curandeiros e gurus, também podem ser esclarecidos a partir das endorfinas.
Podemos ajudar a sua fabricação de duas maneiras: praticando relaxamento, ou forçando o organismo. Ambas têm suas vantagens e desvantagens.
Quando estamos relaxados, ocorre algo similar ao que acontece quando o comandante de um avião liga o piloto automático. O consciente deixa de atuar 100% e o subconsciente aumenta sua atividade. Neste momento, o corpo auto regenera-se, células e órgãos “pedem” ao cérebro para serem abastecidos. Realiza-se então, uma espécie de restauração em todo o organismo, durante a qual as endorfinas têm um papel complexo e importante. De certo modo, é como se pudessem fluir melhor, como se o colapso circulatório tivesse desaparecido. A prova dos benefícios do relaxamento é que frequentemente dormimos. A prática da Ioga ou da meditação nos permitirá relaxar completamente ou, quase completamente, sem perder a consciência. Poderemos alcançar um intenso estado de concentração de espírito, no qual a realidade nos apresentar-se-á clara, luminosa e seremos mais perceptivos. A Parapsicologia estuda a possibilidade de que nesta situação possamos ter visões, premonições ou mensagens telepáticas. No fundo, não se trata de nada anormal, são potencialidades inexploradas do ser humano que não conseguimos avaliar em virtude das circunstâncias estressantes em que transcorre nosso dia-a-dia. O importante é que este estado parece despertar em nós uma inteligência mais intuitiva que racional e com melhor conhecimento de nossas carências, as endorfinas. Esta intuição é a que nos impulsiona a escutar aquele disco que não ouvíamos há tanto tempo ou nos sugere perfumar o ambiente com incenso. Para as pessoas que não associam o prazer com as situações anteriores, se tratará, talvez, de ler novamente um livro, ou do impulso irracional de procurar aquele amor de juventude nunca totalmente esquecido.
Outros sentirão fome, vontade de ver uma partida de futebol ou de fazer amor.
Um simples exercício nos servirá para auxiliar o corpo a fabricar endorfinas. Em princípio, procuremos papel e lápis e um lugar – a cama ou um sofá – para deitar-nos confortavelmente. Agora, podemos soltar as rédeas da imaginação. Devemos tentar, sem forçar nada, recordar coisas agradáveis. Cada vez que nos vier à memória uma lembrança grata, devemos anotá-la na caderneta. Não se trata de preencher uma folha, mas de tomar nota de duas ou três frases que possam ser utilizadas como lembrete para trazer outra vez até o presente, aquela recordação amena. Também não é necessário que estas frases sejam lógicas ou gramaticalmente corretas. Basta que para nós tenham sentido. Acontecerá o mesmo que ocorre quando encontramos, perdido entre nossos papéis, algum poema ou carta de amor que escrevemos anos atrás: quando voltamos a lê-los, sentimos novamente as mesmas emoções de outrora. Tornamos a relaxar, deixando que as imagens venham à nossa mente, e quando nos achamos diante de outra lembrança prazerosa, voltamos a escrevê-la, a nosso modo, na caderneta.
Guardamos nossas anotações até necessitá-las, ou seja, até sentir-nos tão tensos que não somos mais capazes de encontrar imagens agradáveis.
Se chegarmos a este ponto, tentamos relaxar com o auxílio de nosso caderno, procurando qual a sensação passada mais fácil de relembrar. Então, é muito importante que fiquemos atentos às reações produzidas no corpo e na mente no momento das lembranças agradáveis. No início, trata-se de algo muito sutil, com freqüência, muito difícil de verbalizar, mas podemos tentar captar estas emoções em nossa caderneta.
Com a prática, esta tarefa será mais fácil. Mesmo assim, nunca devemos obrigar-nos, nem cair no erro do perfeccionista, que não quer deixar de lado nada do que considera importante. Com estas notas, podemos ir fabricando, mais tarde, “clichês” ou “fichas” intransferíveis que exercitarão o mecanismo de fabricação de endorfinas. Além do mais, estas fichas que podemos aprender de cor, podem servir-nos para outros usos. Por exemplo, para infundir-nos serenidade nos momentos difíceis, para ajudar-nos a ganhar quando fazemos parte de um jogo ou, simplesmente, para controlar nossos estados emocionais quando perdemos a paciência.
Outro exercício que com um pouco de prática pode dar bons resultados consiste em “visualizar” as endorfinas. Evidentemente, isto é impossível e na realidade não visualizamos nada, mas o fato de imaginá-las, em forma de energia que converge em direção a parte de nosso corpo que as necessita, pode ajudar muito.
Podemos atribuir-lhes uma cor, de preferência o azul. Então imaginemos que uma luz azul nos percorre proporcionando um agradável frescor ao nosso corpo. No momento de realizar estes exercícios, é importante respirar lenta e profundamente. Sentir os efeitos benéficos do oxigênio que penetra nos pulmões, transformando-se em energia, que o sangue se encarregará de transportar até a última das células.
Também podemos “forçar” o organismo a segregar endorfinas. É o caso dos esportes que exigem muito de nós, como por exemplo, a corrida ou o squash. Às vezes, nosso corpo precisa ser “sacudido” para poder reagir à vida rotineira que costumamos levar e regularizar a fabricação de endorfinas. Em geral, quando aceitamos um desafio e vamos além de nossas forças, a sensação de plenitude que experimentamos depois, é conseqüência das endorfinas produzidas durante esta atividade. É o caso daquele funcionário que um dia tem que fazer hora extra para acabar com um trabalho chato que estava pendente há muito tempo. Paradoxalmente, ao terminar sua tarefa, sente um bem-estar incomum, que de maneira nenhuma podemos creditar ao trabalho em si.
De todo modo, acreditamos que só é conveniente “forçar” o organismo em casos extremos e que, cedo ou tarde, torna-se muito melhor estimular a fabricação de endorfinas usando métodos suaves. Não cansaremos de repetir, ao longo deste capítulo, uma regra de ouro: devemos fazer todo o possível para lembrar quais imagens nos causam prazer e felicidade para poder “aproveitá-las” posteriormente. O mar tranqüilo com ondas azuis, as águas remansadas de um lago, o azul do céu de um dia ensolarado, o olhar inocente de uma criança, a beleza de uma mulher ou o perfume de sua pele, tudo serve para lembrar aquilo que em determinado momento causou-nos felicidade. Temos um arsenal de recursos infinitos à nossa disposição que não podemos nos permitir o luxo de desperdiçar.
Uma simples gota daquele perfume que tanto nos agrada é suficiente para começarmos a jornada com mais alegria e otimismo. Nosso cérebro instintivamente decodificará a mensagem, associando-a aos momentos de prazer em que o perfume estava presente.
Uma lembrança da pessoa amada, um destes objetos que para nós tem “um enorme valor emocional” será, sem dúvida, o melhor dos talismãs. Não há a menor superstição neste fato, exclusivamente bioquímica.
Quem não lembra do cheiro de capim fresco, de grama recém cortada, úmida, próximo ao do ozônio, com uma sensação de aprazível frescor? Por que gostamos tanto daquele pequeno restaurante que afinal de contas, não é assim tão especial? Por que gostamos de cercar-nos de coisas belas? Por que algumas pessoas não suportam viver em desordem e outras sim? Porque o pequeno restaurante ao qual fazíamos referência sugere-nos momentos inesquecíveis, as coisas belas acariciam nossa sensibilidade e a ordem nos proporciona sensação de segurança e bem-estar. Tudo isto acontece porque nosso organismo segrega as endorfinas necessárias.
Se quisermos ativar a secreção de endorfinas devemos começar a nos conhecer melhor, ter certeza dos nossos gostos, saber o que nos gratifica; portanto, o recurso da mencionada caderneta é muito útil.
Se gostarmos de comer, por exemplo, devemos tentar ser mais conscientes e saborear nossa comida sem pressa. Temos que saber o que estamos comendo, mastigar lentamente, degustando os alimentos com calma. Podemos aprender a combinar ingredientes, criando novos pratos guiados por nossa intuição. Quando cozinhamos, devemos colocar uma pitada de amor e dois toques de carinho em nossos pratos, com certeza a comida ficará mais gostosa. É importante fazer nossas refeições acompanhadas das pessoas que queremos ou com as quais nos sentimos bem. Durante a prática deste rito, necessitamos estar relaxados e, às vezes, uma taça de vinho pode ajudar. Mas não convém ir além do recomendável, pois demasiado álcool no sangue bloqueia a secreção de endorfinas. No transcurso da refeição, todas as conversas devem ser positivas e se mencionarmos temas delicados, o faremos a partir de um ponto de vista otimista e compreensivo. Também deixaremos de lado referências a temas desagradáveis. Por este motivo, é uma aberração que tanta gente almoce e jante assistindo televisão, principalmente os noticiosos. Na época atual, parece que somente as catástrofes são notícia.
Depois de comer, é importante, se quisermos manter o fluxo de endorfinas que desencadeamos, não quebrar o clima criado. Não convém realizar exercícios violentos. O mais adequado é um passeio tranqüilo, continuando a conversa iniciada anteriormente. Às vezes, podemos permitir-nos o luxo de comer bombom, se é isto que nos faz felizes. Não há por que temer, se não abusamos, nada nos fará mal. Nosso corpo conhece muito bem suas necessidades e seus caprichos que, com freqüência, dão sábios sinais. Entupindo-nos de grande quantidade de comida indigesta ou encharcando-nos de álcool, acabamos não permitindo que ele nos mostre como podemos ser mais felizes.
Talvez, o que realmente gostamos não seja comer, mas escutar música. Quem já não experimentou prazer, voltando a ouvir alguma música antiga esquecida há tanto tempo? Novamente as lembranças são nossas aliadas.
Se desejarmos tirar partido de nossa paixão pela música, devemos tratar de perceber os sons de maneira clara. Muitas vezes, quando estamos calmos, tranqüilos e sem preocupações, escutamos sons ou nuances que normalmente nos escapam. Isto não acontece somente na música, acontece também na vida de cada dia. O rumor dos pássaros, de um rio, as ondas do mar ou o farfalhar das folhas secas que caem no outono, podem ser muito agradáveis se soubermos escutar. De acordo com os estudos da Dra. Susan M. Ryan, os pássaros cantam porque isso os fazem felizes. Cantando, segregam endorfinas. Se conseguirmos desenvolver a sensibilidade necessária, também nós fabricaremos endorfinas quando ouvirmos cantar os pássaros. Graças a este maravilhoso dom natural, muitas pessoas não sabem viver sem um pássaro em casa.
Também nós somos capazes de segregar endorfinas cantando. Um provérbio popular que encontramos em todos os países afirma que “quem canta seus males espanta”. O nível de endorfinas presente em um corpo está estreitamente vinculado às cordas vocais, conforme demonstrou a Dra. Ryan. O canto de mantras, uma apaixonante ciência dominada não só pelos iogues indianos e lamas tibetanos, mas também por magos e bruxos de todos os tempos, pode alcançar efeitos realmente surpreendentes porque atua diretamente sobre a fabricação de endorfinas. O contrário também é verdade, uma voz desagradável ou um ruído insuportável podem ocasionar sérias perturbações nervosas.
Pode ser que nosso interesse seja a leitura, podemos ajudar o equilíbrio do fluxo de endorfinas apoiando-nos neste hobby. Reler um livro que nos agradou muito na adolescência ou começar a ler uma novela do nosso autor preferido pode nos proporcionar muito prazer.
Se o que nos agrada realmente é praticar esportes, também poderemos aproveitar esta atividade para estimular a fabricação de endorfinas. Sem dúvida, seremos conscientes de como é importante uma alimentação equilibrada e sadia para manter em forma o organismo e poder praticar nosso esporte favorito. Nosso corpo assim o exige, pois precisa estar perfeitamente alimentado para render o máximo, segregando uma quantidade extra de endorfinas.
Quando for possível, devemos praticar o esporte escolhido ao ar livre. Uma boa oxigenação é indispensável para que possamos sintetizar os hormônios necessários.
Comprovou-se que a corrida gera uma enorme quantidade de endorfinas. O motivo é claro. Cada vez que nosso organismo encontra-se frente a uma situação de stress, reage produzindo encefalinas. De acordo com estudos realizados em várias universidades dos Estados Unidos, as pessoas que parecem enfrentar o stress, sem problemas, possuem endorfinas parassimpáticas mais constantes e resistentes. Por outro lado, pessoas altamente irritáveis que estão constantemente “estressadas”, parecem sofrer de um estado de carência de endorfinas ou, no mínimo, de uma quantidade menor de receptores de endorfinas do que seria desejável.
Alguma vez paramos para pensar qual é a característica dos nossos momentos de felicidade? Para certas pessoas é estar apaixonadas, para outras dar um presente, para outras, recebê-lo, para outras ainda é ser tratado com atenção e para muitas é ser lisonjeado. Nestes momentos, estamos mais predispostos a fabricar endorfinas. Em conseqüência, um contratempo que em outro momento faria-nos perder a paciência e ficarmos furiosos, transforma-se em algo sem importância e, o canto do pássaro que não havíamos reparado, apresenta-se como algo bucólico e maravilhoso.
Graças ao fluxo de endorfinas, desenvolve-se em nós, ao menos neste momento, uma consciência estreitamente ligada à delicadeza, à sensibilidade amorosa e à estética. Concluindo: realizou-se em nosso organismo o equilíbrio bioquímico necessário.
Pouca gente percebe que a palavra “magia” provém de imagem e está relacionada com imaginação. A imaginação é uma força muito poderosa por causa de sua conexão com a bioquímica cerebral. Os surpreendentes efeitos de muitas técnicas de visualização e meditação devem-se a esta conexão. Podemos imaginar acontecimentos passados e acontecimentos futuros. Quando o fazemos, estamos desencadeando complicados processos bioquímicos que podem manifestar-se em forma de efeitos fisiológicos reais. A Medicina Moderna chegou à conclusão de que um elevado número de doenças é de natureza psicossomática. Por pura lógica, demos deduzir que sua cura deve ser, ou ao menos pode ser, de caráter psicossomático. Recentes pesquisas do Dr. Howard L. Fields e seus colegas da Escola de Medicina da Universidade de Califórnia demonstraram que os pacientes podem produzir endorfinas analgésicas conscientemente. Mas, ao ser ministrada naxolona nos mesmos pacientes, o efeito destas endorfinas cessa e eles voltam a sentir dor. Este fato comprova que não se trata de auto-sugestão ou de imaginação, mas de algo muito real.
Resumindo, diremos que para alcançarmos, ou no mínimo, nos encaminhar ao estado de felicidade para o qual estamos destinados, precisamos conseguir o restabelecimento do fluxo correto de endorfinas em nosso organismo. Esta recuperação só é possível quando conseguimos que a mente e o corpo trabalhem em conjunto. O antigo provérbio latino “mens sana in corpore sano” oferece-nos o segredo da felicidade: quando estamos sadios física e mentalmente, tudo funcionar melhor em nossa vida.
Assim como nas grandes cidades não se consegue circular quando as ruas estão cheias de carros estacionados em segunda ou terceira fila, o mesmo ocorre em nosso organismo. A energia, o Ki dos acupunturistas , deve fluir corretamente para que nossa máquina funcione. É o único segredo e o segredo está em nós...

O SEGREDO ESTÁ EM NÓS

Já vimos que todo ser humano almeja ser feliz, a não ser que esteja psicologicamente muito doente. Quase nunca se trata de uma aspiração consciente, racional, mas sim, de um desejo inconsciente fortemente arraigado em nós, que utiliza para seus fins toda a informação que lhe proporcionamos.
Em muitas ocasiões, por falta de consciência ou de conhecimento, utilizamos, até mesmo, métodos errôneos. Isto acontece porque, frequentemente, confundimos a felicidade com a satisfação pessoal. O que não gostamos e não nos satisfaz deixa-nos infelizes.
Às vezes, a vida se nos apresenta tão cheia de problemas e de contrariedades, que nos sentimos incapazes de reagir. Parece que nos faltam forças. Trata-se de uma situação que, nos sonhos, costuma tomar forma de pesadelo. Alguém nos persegue, mas não podemos fugir, nem sequer mexer as pernas. Então, é mais fácil ceder à angústia ou à depressão do que reagir. Porém, enquanto não conseguimos relaxar a tensão emocional, não solucionaremos o problema. Somente assim, nosso organismo poderá começar a equilibrar o fluxo de endorfinas.
Quando estamos angustiados só desejamos uma coisa: libertar-nos daquilo que nos oprime e sermos felizes, mas acontece que nossa mente não sabe como fazer-nos felizes. À sua maneira, tenta, mas cai em todas as armadilhas. Só os iluminados podem discernir entre aquilo que lhes proporcionará felicidade e aquilo que lhes acarretará desgraça. Mas, nosso corpo sabe sim como fazer-nos felizes, sintetizando e distribuindo endorfinas por todo o organismo. O subconsciente também contribui para esta tarefa, proporcionando as informações necessárias. É a base da publicidade, estimula-se a nossa curiosidade associando aquilo que se deseja vender a algo que, inconscientemente, relacionamos com prazer. Assim, vemos que se anunciam carros junto a mulheres deslumbrantes ou desodorantes associados a roupa íntima. Na maioria das vezes, recorre-se a sexualidade para incitar o cliente a comprar.
Deste modo, sob a força de publicidade mal digerida, acabamos relacionando a felicidade com a compra de bens materiais e com o consumo desenfreado daquilo que a televisão nos oferece. Existem até alguns casos de pessoas psicologicamente doentes que são compradoras compulsivas e acabam com a casa cheia de coisas que não precisam, nem vão usar. Hoje, nos vendem qualquer produto como algo bom e desejável, então acabamos acreditando que a felicidade encontra-se no objeto em si e não em nós mesmos, em nossa própria capacidade de fruí-lo. Criam-se desejos artificiais que, se não são satisfeitos, deixam-nos a horrível sensação de que somos desgraçados (frustrados, pobres miseráveis, incapazes, impotentes, inferiorizados, humilhados, excluídos). Podemos constatar isto especialmente em crianças e adolescentes, que como sabemos são muito sensíveis à propaganda e os apelos publicitários. Se não têm uma calça jeans de uma determinada marca ou uns tênis daquele tipo estabelecido pela moda, sentem-se menos que os outros e isto os deixa muito infelizes.
Todavia, como vimos, nosso potencial para ser felizes encontra-se exclusivamente em nós. Todos os mestres espirituais de todos os tempos já o disseram e repetiram: o segredo está em nós. Os objetos exteriores também têm sua importância, mas como “desencadeantes” daquilo que já está em nós. É necessário sermos realistas, não é a troca de carro que vai nos fazer felizes, mas sim as endorfinas que nosso corpo vai segregar quando nos entregarem o carro novo.
Todos conhecemos pessoas “que têm tudo na vida” e nem por isso são felizes. Pelo contrário, às vezes são muito desventuradas e vão ao psicanalista várias vezes por semana, para poder manter um frágil equilíbrio psicológico. Sem dúvida, têm o que uma pessoa pobre nunca terá, mas consideram como problemas coisas que para alguém menos aquinhoado não o seriam.
Estamos numa época de expansão industrial e econômica, em especial no ocidente, “nunca se viveu como agora”. Contudo, apesar dos inegáveis avanços tecnológicos e higiênicos, isto não é inteiramente verdade. Muitas vezes é mais feliz o indiano que só come um prato de arroz por dia, que o norte-americano que come cinco vezes mais. Por outro lado, quem é que já não ouviu dos pais ou dos avós: “éramos pobres, mas éramos felizes”? Certamente, o que convencionou-se em chamar de “qualidade de vida” era ser superior e ser feliz é uma questão de qualidade de vida, não de quantidade de contas a pagar no fim do mês.
Ser feliz é uma questão de equilíbrio, de estar em paz consigo mesmo, com nossos desejos, com nossas aspirações, até com nossos sonhos. Trata-se de aprender a ver o lado positivo das coisas e de aproveitar as oportunidades que a vida nos oferece.
Ser feliz é uma questão de ressonância. Trata-se de ser suficientemente hábil para que os acontecimentos exteriores que repercutem em nosso interior nos encontrem otimistas e equilibrados, criando assim, um fluxo de endorfinas constante. É como os acontecimentos do dia-a-dia reverberam dentro de si, da mente, e de como interpretamos para o nosso melhor proveito. Se não conseguimos polarizar positivamente, ficamos infelizes, pessimistas, deprimidos, ansiosos, tornando-nos pessoas contestadoras e questionadoras, achando imperfeição em tudo que vê e sente.
Para colocar um exemplo gráfico, poderíamos dizer que a felicidade se respira, mas não de fora para dentro. Com os pulmões, se respira de nós, e o “oxigênio da felicidade” são as endorfinas. Se o seu fluxo estanca, começamos a sentir-nos mal física e psicologicamente. Nossa capacidade para desenvolver uma consciência receptiva e penetrante, que nos permita aproveitar a vida plenamente e as oportunidades que esta nos oferece, é a base da nossa felicidade. O segredo, como vimos ao longo de todo este texto, está nas endorfinas.
Entre as causas que ocasionam este “estancamento”, ao qual fazíamos referência, encontra-se o stress. Sem dúvida, devemos creditar a maior parte de nossa infelicidade ao stress e a nossa incapacidade de lutar contra ele. Segundo o Dr. Seyle, a capacidade de adaptação ao stress varia de acordo com a pessoa. Cada um tem um limite de tolerância e toda nova situação de stress reduz a margem deste limite. Com o passar do tempo, se esta diminuição não é compensada, corre-se o risco de chegar à beira de um colapso. Obviamente, tudo isto depende de ajustar-nos às condições de nosso meio. Nestas situações difíceis, os estados de ânimo têm um papel muito importante. Se estamos eufóricos, “apararemos” melhor os golpes do destino.
O otimismo é a melhor couraça contra os ataques externos que nos deixam infelizes e abatidos. Entretanto, se estamos desanimados ou passando por um período de depressão, cederemos facilmente às conseqüências do stress negativo.
Até nos piores momentos de nossas vidas, devemos lembrar que cada um de nós é especial e somos todos parte de um mundo maravilhoso. Esperamos que a leitura deste pequeno volume tenha contribuído para conhecer-nos melhor e perceber que a vida é um dom muito precioso para ser desperdiçado ou jogado fora.
É precisorebelar-nos contra o tédio e contra a depressão!
Fabrique endorfinas e embriague-se com a vida!
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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Psiquiatria: Epidemiologia dos Transtornos Mentais

Jair de Jesus Mari & Miguel Roberto Jorge
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Os levantamentos epidemiológicos populacionais realizados no Brasil apontam para uma prevalência de transtornos mentais aproximada de 30% na população adulta no período de um ano. Quando a prevalência de transtornos mentais é ajustada para os casos que demandam algum tipo de cuidado médico, chega-se a uma estimativa aproximada de 20%, ou seja, um em cada cinco adultos demanda algum tipo de atenção em saúde mental num período de 12 meses. Entre as mulheres são mais comuns os transtornos de ansiedade (9%), os transtornos somatomorfos (3%) e os transtornos depressivos (2,6%). Na população masculina a dependência ao álcool (8%) aparece como o problema mais importante, seguido dos transtornos de ansiedade (4,3%). Pode-se concluir que há, na população, concentração de ansiedade e depressão nas mulheres e de dependência ao álcool entre os homens. Os transtornos psiquiátricos são mais frequentes na população feminina, aumentam com a idade e apontam para um excesso no estrato de baixa renda.
Vários estudos epidemiológicos foram realizados em diferentes partes do mundo para avaliar a magnitude e a natureza dos transtornos mentais na clínica geral. As investigações que estimaram a morbidade pelas avaliações psiquiátricas padronizadas mostraram, em geral, maior frequência de transtornos mentais quando comparados com os estudos que se basearam na identificação realizada pelos clínicos. Cerca de 2/3 dos estudos que avaliaram morbidade com instrumentos padronizados colocaram a prevalência de transtornos mentais na clínica geral entre 27 e 48%. A mediana da prevalência encontrada é de cerca de 25%, casos esses que teriam gravidade semelhante à dos pacientes atendidos nos ambulatórios especializados em psiquiatria. Os transtornos psiquiátricos mais frequentes na clínica geral são os chamados transtornos psiquiátricos menores: transtornos de ansiedade, transtornos depressivos e transtornos somatomorfos.
A responsabilidade dos cuidados da maioria desses transtornos é do clínico geral, sendo que apenas um em vinte casos psiquiátricos presentes na atenção primária é encaminhado para o médico especialista. Esses dados são corroborados pelo consumo de psicotrópicos pela população. Um estudo com amostra probabilística da cidade de São Paulo demonstrou que mais de 10% da população adulta havia utilizado algum tipo de medicação psicotrópica no período de um ano. As mulheres apresentaram prevalência de consumo aproximada de 14% e os homens, prevalência de 5%. O maior consumo é de benzodiazepíncos, em sua maioria prescritos por clínicos gerais (60%) e cardiologistas (15%). Os especialistas em psiquiatria são responsáveis por somente 11,7% das prescrições de transquilizantes, cujo consumo aumenta com a idade e é maior em classes de renda mais elevada. Em outro estudo realizado em três centros de atençaõ primária na cidade de São Paulo, comparando o nível de morbidade real e a prevalência identificada pelos clínicos gerais, verificou-se uma perda de casos diagnosticados entre 22 e 79%, demonstrando a necessidade daqueles desenvolverem maior habilidade na identificação de casos psiquiátricos. Uma suspeita confirmada nesse estudo é que vários casos, que necessitam de tratamento na comunidade, não recebem a devida assistência. Comparando a prevalência de depressão na cidade de São Paulo em 1990 e o consumo de antidepressivos no período correspondente, chegou-se à conclusão de que somente 1/5 dos casos recebeu tratamento adequado.
Um aspecto importante, dada a alta prevalência de transtornos mentais em serviços gerais de saúde, diz respeito à interação desses transtornos com doenças físicas, o que pode se dar em 3 direções:
a) o transtorno mental pode ser consequência de doença física, como estado depressivo decorrente de patologia física grave e/ou incapacitante;
b) o transtorno mental pode se apresentar por uma manifestação orgânica, como dores localizadas ou generalizadas;
c) pode haver comorbidade entre o transtorno mental e um distúrbio de origem somática.
Há, nesse sentido, uma sugestão de classificação desenvolvida por David Goldberg, levando em conta a complexa relação existente entre transtorno mental e distúrbio orgânico. Na doença física com transtorno mental secundário todos os sintomas somáticos podemser atribuídos à doença física, o tratamento do transtorno mental não remove os sintomas físicos e o distúrbio psiquiátrico não teria ocorrido sem a doença física. Na doença física com transtorno mental não-relacionado não haveria vínculo entre os dois, sendo que o tratamento de um não afetaria o outro. No transtorno mental somatizado a consulta é motivada pelos sintomas físicos, o paciente atribui todos os problemas à doença física, mas um transtorno mental é claramente diagnosticável; o tratamento deste aliviaria ou removeria os sintomas físicos. No transtorno mental isolado os sintomas somáticos são ausentes ou o paciente considera-os decorrência do transtorno mental. Um problema dessa classificação é como distinguir, em algumas situações, os sintomas somáticos resultantes de um transtorno mental dos resultantes de uma doença física concomitante. Um número maior de manifestações psicopatológicas pode ser esperado nas seguintes condições orgânicas: doenças neurológicas, cardiopatias, doenças pulmonares crônicas, câncer, artrites e outras doenças orgânicas que cursam com incapacitação física.
Os resultados dos estudos epidemiológicos levam à conclusão de que o clínico geral (ou, em nosso meio, o médico não-especialista) é o profissional mais atuante em saúde mental. Esse fenômeno também é observado em países como a Inglaterra, os Estados Unidos e o Canadá, entre outros. A prática clínica do médico não-especialista demanda treinamento adequado em como diagnosticar e tratar as síndromes psiquiátricas mais frequentes na clínica geral. O paciente apresenta, em geral, sua queixa de um sintoma orgânico, pois acredita que o médico tem a expectativa de ouvir uma queixa somática em vez de um problema psicológico. É muito comum, por exemplo, uma depressão apresentar-se em termos somáticos. Um clínico não preparado tem mais dificuldade em diagnosticar um transtorno mental quando este é mascarado pelas queixas somáticas, num certo conluio entre médico e paciente de que a tarefa médica se restringe em afastar as patologias orgânicas. Há, portanto, um descompasso entre o ensino de psiquiatria, geralmente concentrado nas síndromes mais graves do espectro de morbidade, e as reais necessidades do clínico para atuar em saúde mental. Quais as necessidades gerais de conhecimento psiquiátrico e psicológico na clínica geral? Eis algumas recomendações a serem seguidas pelos médicos não-especialistas:
a) diagnosticar as síndromes mais frequentes na clínica geral (transtornos de ansiedade, depressivos e somatomorfos);
b) identificar os fenômenos psicológicos presentes no paciente e manifestos na relação médico-paciente;
c) investigar o contexto sociocultural (família, situação profissional, relações afetivas íntimas, perdas importantes) em que surgiu a manifestação psicopatológica;
d) fazer uso racional de medicamentos como benzodiazepínicos, hipnóticos e antidepressivos, e dar atenção às necessidades psicológicas do paciente.
Uma formulação diagnóstica que não se restrinja às patologias física e mental do paciente, e possa englobaralguns aspectos socioculturais e aqueles próprios daquela pessoa em particualr, em muito contribui para o sucesso terapêutico pretendido e o bom êxito daquela relação médico-paciente. Assim, a identidade cultural do paciente, sua compreensão a respeito da própria doença e os elementos culturais que norteiam sua relação com o médico são fatores importantes a serem considerados no manejo clínco de cada caso.
O papel mais importante do médico não especialista é desenvolver a habilidade de acolher o sofrimento mental. Os ingredientes psicoterápicos do encontro médico-paciente são dados pelos insights (quando o paciente percebe seus conflitos e problemas) e pela catarse (quando o paciente extravasa a emoção contida). Deve-se evitar frases como "o senhor não tem nada" (um paciente com pânico, por exemplo, tem pavor real de que pode morrer) e ter claro que se não é possivel ao médico "resolver o problema" do paciente, ainda assim ele poderá cumprir seu papel ao se dispor a ouvi-lo e oferecendo algum alívio. Infelizmente, um grande obstáculo para isso têm sido as condições de trabalho médico em serviços públicos e privados (à exceção do consultório particular), principalmente no que se refere à exiguidade de tempo despendido com cada paciente. Nessa circunstância, o pouco quantitativamente pode ser em parte compensado pela qualidade do oferecido.
Os transtornos mentais mais graves devem ser tratados pelo especialista, mas a frequência elevada de transtornos de ansiedade, depressão e dependência do álcool na população conferem ao médico não-especialista uma posição de destaque no cuidado à saúde mental. Contudo, essa evidência epidemiológica não se traduziu em mudança importante no ensino de psiquiatria nos cursos de graduação e nas atitudes gerais dos médicos diante dos transtornos mentais. Esse médico deve ser treinado para lidar com os problemas psicossociais comumente encontrados na prática médica. Modelos de ensino que combinam treinamento para entrevistar esses pacientes com o uso racional de psicotrópicos e o manejo de situações psicológicas simples precisam ainda ser desenvolvidos para se atingir um ensino de psiquiatria consoante às necessidades da clínica geral.
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Quem sou eu

Nascido no Japão como filho de massagista shiatsu em 1947, imigrado ao Brasil em 1959, residente em Marília/SP/Brazil desde 1997.

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